O Rock in Rio anunciou que, neste ano, as pulseiras serão substituídas por um ingresso digital. Parece um anúncio corriqueiro em um mundo onde tanta coisa tem deixado de ter existência física para existir apenas digitalmente. Também passa longe de ser uma novidade em festivais — ainda em 2019, quando fui no Lovebox e no Citadel, em Londres, a entrada era única e exclusivamente um QR code; não tinha ingresso de papel, pulseira, nada mais.

Mas a depender dos recursos agregados a esse ingresso digital, muita coisa pode ficar diferente do que já conhecemos hoje e a causa disso tem três letras: NFT.

Ainda não há detalhes completos sobre o ingresso digital do Rock in Rio, mas em um comunicado à imprensa em novembro o festival revelou alguns detalhes que apontam para muito mais que um simples código escaneável:

“O Rock in Rio e a Ingresso.com desenvolveram um ingresso seguro, anticópia, 100% digital, com bloqueio de utilização duplicada e que é compatível com a grande maioria dos smartphones do mercado. O festival informará o passo a passo para baixar o ingresso nos smartphones e todas as suas funcionalidades. Outra novidade é que a transferência de titularidade do ingresso será realizada somente através do sistema do Rock in Rio, garantindo assim a rastreabilidade do ingresso para que ninguém o utilize de forma indevida.”

O que os NFTs têm a ver com isso?

Se você ainda não entendeu bem, NFTs são ao mesmo tempo um certificado digital de autenticidade atribuído a um produto comercializado digitalmente e também um ativo financeiro.

O que confere a autenticidade é o token atribuído ao arquivo digital quando ele é convertido em NFT. Este processo de tokenização também garante a rastreabilidade, inviolabilidade, além de total controle e monitoramento do produto por parte do emissor (guarde essas informações; elas serão fundamentais daqui a pouco).

Vender edições limitadas de produtos com apelo para fãs e colecionadores é o que tem colocado o NFT em evidência nas manchetes da cobertura de música e arte. O próprio Rock in Rio anunciou que vai trabalhar em uma coleção de NFTs com criações exclusivas de artistas. O Coachella também entrou na moda e recentemente vendeu uma série de itens em NFT, inclusive ingressos vitalícios para o festival.

Mas o NFT já vem se colocando também como solução para a indústria de shows e eventos em geral e aí que ele se encontra com o ingresso digital. No setor, o monitoramento e a rastreabilidade do NFT são o maior trunfo.

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Como os NTFs mudam um ingresso digital

Um ingresso tokenizado pode ser vendido e revendido para outro usuário, mas os atributos de controle e rastreio dos NFTs permitem um nível de monitoramento de modo que ele não seja comercializado a preços exorbitantes nem seja replicado e falsificado. Ou seja, de uma só vez, o NFT pode resolver o problema com cambistas e com fraudes.

Isso é possível porque os organizadores podem definir quantas vezes um ingresso pode ser revendido, qual o preço máximo de revenda e qual o percentual máximo de lucro que um revendedor pode obter. É possível também ao organizador obter um percentual sobre cada revenda.

Todos esses são atributos dos NFTs e podem ser definidos por meio dos chamados contratos inteligentes. Na teoria, eles são códigos de programação que determinam as possibilidades e limites das transações de um NFT; na prática, eles definem as regras sob as quais as transações podem correr, daí o uso do termo “contrato”.

Se o Rock in Rio vai adotar todos esses recursos nós só saberemos quando as informações do ingresso digital do festival forem anunciadas oficialmente, mas esses atributos encontram eco, em alguma medida, no pouco que o festival informou até agora sobre o novo formato de ingresso e que você leu acima.

Vale mencionar que o Primavera Sound Barcelona pode estar indo para um caminho parecido. Em um comunicado aos compradores de ingresso da edição de 2022, o festival explicou o seguinte:

“Ao longo do mês de março você receberá um link que vai te levar diretamente à página de download do aplicativo que vai servir para verificar seu ingresso. Depois de fazer o registro, graças aos aplicativo, sua entrada para o Primavera Sound 2022 Barcelona-Sant Adrià estará automaticamente validada. (…) Se você não puder ir ao festival, com este sistema também será possível transferir seu ingresso de maneira segura: o novo proprietário poderá registrá-lo outra vez com os dados dele.”

Na prática: o caso do Pearl Jam e a Ticketmaster

A Ticketmaster vem trabalhando desde 2018 para desenvolver uma solução de ingressos tokenizáveis para shows. Naquele ano, ela adquiriu a Upgraded, uma empresa especializada em tecnologia de blockchain para eventos ao vivo, e logo fez um dos primeiros testes com uma série de shows beneficentes que o Pearl Jam realizou em Seattle naquele mesmo ano.

Cada comprador recebeu dois ingressos tokenizados. Um ingresso não podia ser transferido e o segundo só podia ser repassado a outra pessoa uma única vez. Tudo isso pré-estabelecido pelo contrato inteligente — as linhas de código programadas no ingresso, e que levaram cerca de 15 minutos para serem escritas, segundo Sandy Khaund, fundador da Upgraded e agora vice-presidente de produtos de blockchain da Ticketmaster.

Fora da música, mas ainda dentro do setor de eventos, a solução de ingressos tokenizados foi posta em prática também na Copa do Mundo da Rússia para a comercialização dos ingressos VIP.

Adeus, lembranças físicas

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Em quanto tempo esta será uma prática dominante em festivais, shows e eventos em geral, a gente não sabe. Mas não é tão difícil assim imaginar um futuro em que as lembranças de festivais e shows vão deixar completamente de serem físicas, sem ingressos de papel ou pulseira, para serem unicamente digitais.

Com a promessa de mais segurança, só vão sobrar a nossa memória, as fotos do Instagram (ou os vídeos do TikTok ou a mídia predominante da próxima rede social que conseguir fazer um algoritmo mais viciante) e um token.

2 Comments

  • Renan Esteves
    Posted 25 de fevereiro de 2022

    Se a maioria das produtoras daqui adotarem esse novo formato de ingresso, seria uma boa se acabassem as taxas de (in)conveniência em cima deles, mesmo achando utópico.

    • Priscila Brito
      Posted 7 de março de 2022

      Acho que a cobrança da taxa independe da tecnologia usada, então é capaz de ficar tudo na mesma.

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