Cheguei em Bogotá à noite, num domingo, oito de março e fui recepcionada por ônibus cujos letreiros estampavam a frase “Mujer es Poder”. Por mais simbólico que tenha sido, já que a América Latina não é exatamente o lugar mais friendly do mundo pra ser mulher, me senti bem acolhida na chegada. Principalmente porque naquele momento estava sozinha em uma estação do TransMilenio – o BRT local – para chegar até o hotel.

O primeiro sinal de que a viagem ia dar bom, porém, veio horas antes. No avião, enquanto cantarolava mentalmente “Vamos Embora para Bogotá” do Criolo, depois de uma soneca e de assistir “Birdman”, fui surpreendida com uma visão aérea de parte da amazônia colombiana.

bogota

Das montanhas, das cores e do caos nas carreras

A sensação de estar sendo acolhida não me deixaria nos dias seguintes. Logo quando dei minhas primeiras caminhadas no centrão, já à luz do dia, notei o horizonte familiar e prazeroso para quem nasceu e cresceu em Belo Horizonte. Montanhas, montanhas, sempre preenchendo o skyline de Bogotá.

Por ter vindo de onde eu vim, com o encanto da silhueta da Serra do Curral intacto no meu olhar mesmo depois de três décadas da mesma visão, é sempre uma sensação de conforto quando estou numa cidade que me abraça com montanhas.

Ricas almojabanas

O friozinho de março do inverno acima do Equador combinado com uma parada ou outra no fim de tarde em uma das cafeterias Juan Valdez só aumentou a sensação de aconchego.

Orgulho nacional colombiano, a rede se gaba de ter um café muito superior ao da globalizada Starbucks. Não sou capaz de opinar por não ter um paladar aguçado o suficiente pra perceber nuances da bebida. Mas louvo sem economia as almojabanas que provei por lá.

Quitute típico colombiano, é um pãozinho feito de queijo e farinha de milho. Algo como se o pão de queijo e a broa de fubá tivessem um filho. Mais uma vez, as associações inconscientes com Minas se intrometendo (para o bem) na minha relação com Bogotá.

Tanto que nem o trânsito caótico e barulhento pra além da conta azedaram minha experiência. Ainda bem, porque nunca estive em uma cidade onde motoristas buzinassem tanto, o tempo todo.

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Um encontro com Gabo

Para além desse apego mineiro com cenários montanhosos, no tempo parado dentro do ônibus em engarrafamentos e nas caminhadas pelas longas carreras de Bogotá (as avenidas que cortam a cidade) ao som de buzinas eu me entretive com o colorido dos muitos grafites que decoram a cidade. Futuristas, tropicais, de raízes locais, com heróis nacionais.

Vi o imenso painel com o rosto de García Marquez numa das viagens de TransMilenio e tive que voltar dias depois só para (me) registrar (n)a obra. É a viagem em tempos de Instagram.

Eu me distraí também ao notar as peculiaridades do comércio e serviços locais. Escolas de mandarim aos montes, um fast food popular só de churros – a Superchurros, uma rua com óticas vizinhas uma das outras, o colorido artesanato das lojas e restaurantes da Hacienda Santa Barbara, um shopping aberto.

Talvez – talvez – eu tenha me distraído até demais, porque em determinado momento me perdi nas ladeiras da Candelária, o famoso bairro histórico de arquitetura colonial, tentando achar o caminho que levava para o Cerro Monserrate, uma das colinas que acompanha o olhar de quem passeia por Bogotá.

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Devo ter ficado confiante demais por estar andando em relevo familiar – montanhas e ladeiras, lembra? – e também por ter passado por lá antes; fui displicente com o mapa.

No fim, acabei encontrando o caminho e subindo a montanha, não sem antes ter que me desvencilhar de um motorista de táxi que deve ter me achado com cara de boba, dizendo que o trajeto até a entrada do Cerro era perigoso. 1) Não, não era porque eu já tinha passado lá antes e 2) Eu venho do Brasil, meu bem.

Estereo Picnic, down the rabbit hole

Sem que eu pudesse imaginar, meu único dia no Estereo Picnic foi uma síntese de tudo que vivi naquela semana inteira. Só que com um tempero fantástico. Eu não sabia muito do festival e me deixei levar pela graça do desconhecido. Chegando no Parque Deportivo 222, já fui logo abraçada por mais montanhas, que serviam até então de moldura para o festival (atualmente ele acontece em outro lugar).

Já seria o bastante para criar simpatia imediata pelo festival colombiano, mas um algo mais me esperava. Foi como se eu tivesse caído dentro do buraco do coelho de Alice no País das Maravilhas. Uma cenografia onírica, com um cuidado que eu nunca tinha presenciado antes em um festival – e nem depois, me colocou dentro de uma atmosfera cool-surrealista. Ficou fácil entender ali porque o slogan do festival é “Un Mundo Distinto”.

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Tigrinha, bolerão e rolês aleatórios

Bom que eu irrefletidamente já estava sendo levada pra esse buraco fantasioso quando atendi à convocação do festival nas redes sociais para ir fantasiada. Ok, não fui exatamente fantasiada. O melhor que consegui achar foi um arco de cabeça com orelhinhas de tigre depois de muito fuçar num shopping popular. Mas isso já é muito para os meus padrões, acredite.

Lá dentro, depois de entender e sentir o conceito, me convenci de que estava com o dress code e o espírito lúdico adequados para a situação.

Como se esse eterno chá de Alice não terminasse, voltei na van organizada pelo hotel com minhas orelhinhas de tigre, um chileno, colombianos de outras cidades e um grupo de australianos que eu conheci na ida para o festival, na mesma van.

Depois de passar o dia ouvindo Skrillex, Jack White e o duo eletrônico local La Tostadora, a trilha sonora da volta na van foi um bolerão que o motorista colocou pra tocar bem alto. Não tinha um chá lisérgico pra brindar esse rolê aleatório, mas tinha refrigerante e pão com queijo que o pessoal do hotel preparou pra gente. Quase um realismo mágico, não fosse tudo verdade.

Para você que quer ir no Estereo Picnic e em Bogotá

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