A essa altura da pandemia, e na condição de editora de um site sobre festivais, eu sou o meme do Pablo Escobar na série Narcos. É como se eu estivesse esperando pra sempre a volta dos festivais, numa atmosfera carregada de tédio, incerteza, cansaço e um desespero silencioso.

via GIPHY

E nessa eternidade de dois anos, pensei um monte e continuo pensando um monte, tal qual Pablo na piscina, na mesa e no balanço. Tempo foi o que não faltou para encher minha cabeça de interrogações. Agora que estamos aparentemente em vias de ver essa eternidade chegar ao fim, algumas das perguntas que ocupam minha cabeça são essas:

1. Agora vai?

Também conhecida como a pergunta que não quer calar, essa primeira questão deu o tom do calendário de festivais no Brasil  em 2022 — que já virou uma tradição aqui no Festivalando.

Na terceira tentativa em três anos de fazer um calendário que resista de pé até o fim do ano, e depois de alguns tombos e plot twists que levaram a situação da pandemia para rumos horríveis e indesejados, é inevitável não encarar esse momento de iminente volta dos festivais com um pé atrás, por mais que as vacinas estejam colocando a gente em uma posição de mais alívio (a propósito, você já tomou todas as doses de vacina disponíveis para o seu grupo, né?).

2. As pessoas vão?

Essa pergunta vem do que foi observado onde os festivais já puderam voltar há mais tempo — basicamente os Estados Unidos e o Reino Unido. Nos dois lados do Atlântico, houve o mesmo movimento: a euforia com a volta dos festivais em meados de 2021 foi gradativamente se transformando em ausência de público acima da média com o passar dos meses.

O Reino Unido chegou a registrar uma taxa média de no-show (quando a pessoa tem o ingresso comprado mas não vai ao evento) de 40% no segundo semestre, enquanto a média antes da pandemia era de cerca de 5%, de acordo com o The Guardian. Nos Estados Unidos, a taxa ficou entre 17% e 20% no mesmo período, contra os mesmos 5% que se registrava em 2019, segundo o Wall Street Journal.

Em ambos os casos, as razões para o comportamento foram as mesmas: em partes é, sim, receio por conta da Covid-19 e dos riscos ainda existentes, mas muita gente simplesmente abriu mão ou se esqueceu dos ingressos porque muitos shows e festivais foram adiados e reagendados várias vezes. Em outras palavras, muita gente basicamente deixou pra lá.

3. A que veio o MITA Festival?

Ok, vamos passar agora para as camadas mais granulares da volta dos festivais no Brasil. Temos algumas novidades no calendário previsto para este ano e uma delas é o MITA Festival, que estreia já com duas edições quase idênticas, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, ambas em maio.

Veja bem, o Festivalando completa oito anos em 2022. É tempo o suficiente para eu já ter visto e vivido um bocado acompanhando muito de perto esse cenário de festivais. E o MITA parece emular uma história que eu já vi antes: a do festival que nasce da oportunidade de transformar a turnê de uma banda gringa na América do Sul em um evento maior. Ou seja, não é o festival pelo festival. É como se o festival fosse um brinde que vem junto com a turnê do artista principal. Até aí tudo bem. A trajetória pode acabar sendo muito mais interessante que o ponto de partida.

Mas o que já aconteceu em episódios anteriores foi só isso mesmo: uma turnê gringa que alguma produtora transformou em oportunidade para um festival de edição única e que nunca mais aconteceu.

Você se lembra do SoundHearts, o festival que veio de brinde com a turnê do Radiohead, e do Summer Break, o festival “novo” que trouxe o Foster the People? Lá em 2018 eu já era meio cética em relação a esse arranjo e minha intuição não falhou. O MITA vai repetir a história ou fazer diferente?

via GIPHY

4. Qual vai ser o impacto do Primavera Sound?

Essa tour vai ser ótima de se acompanhar. O anúncio da vinda do Primavera Sound para São Paulo — e também Buenos Aires e Santiago — causou comoção. Mas pode causar mais ainda.

A inevitável comparação com o Lollapalooza Brasil pode fazer muita gente repensar a relação de 10 anos com festival que saiu dos EUA pra vir pra cá. Claro, há quem opte por um relacionamento aberto e não abra mão de nenhum. (oi, alguém me chamou aqui?)

Só que no mundo real, onde fazer escolha$$ é mandatório, muita gente pode se ver obrigada a optar por um ou outro, ou mesmo deixar um (o Lolla) e correr para os braços de outro (o Primavera) em um hipotético cenário em que o festival espanhol resgate o ar menos mainstream que o Lolla tinha em suas primeiras edições brasileiras e que faz falta pra muita gente.

Impossível não pensar também no Popload Festival, que acontecia religiosamente justamente no mês programado para o Primavera Sound, novembro, e com um perfil de atrações muito similar. Como ele vai se organizar com essa nova peça no jogo?

Uma última questão importante, pegando carona no questionamento sobre o MITA Festival, é se teremos um festival que veio para ficar (diz que sim!). O contexto do Primavera é bem diferente do MITA, mas o desejo de ter festivais que construam uma história com a gente em vez de serem só uma aventura é o mesmo. Que a gente tenha um futuro juntos <3

2 Comments

  • Renan Esteves
    Posted 25 de fevereiro de 2022

    Eu acredito que o Primavera vem pra ficar, onde teremos chances de artistas espanhóis e latinos virem para o festival – alguns até pela primeira vez no Brasil. Lolla e Primavera tem propostas diferentes e acho que quando olharmos para os lines das suas respectivas matrizes, teremos uma ideia de quem vai passar pelo festival, não alterando o planejamento dos dois. Sobre o Mita, o mesmo vale para o Knotfest, já que nada mais é que uma turnê do Slipknot, que depois corre o risco de não acontecer nos anos seguintes.

    • Priscila Brito
      Posted 7 de março de 2022

      Não acho que o Knotfest se enquadra porque o meu ponto é a falta de continuidade nos festivais e quanto a isso não há o que questionar em relação a ele. É um show do Slipknot com um festival de brinde, mas a banda criou o projeto e seguiu adiante com ele.

Leave a comment