Há uns dois meses eu desenvolvi um hábito. Em algum momento livre da minha semana, eu procuro no YouTube o vídeo de algum show em que estive e assisto. Termina, e eu procuro outro. Depois outro. Maratono shows; é isso.

Acho que não é coincidência que eu tenha começado a fazer isso há tão pouco tempo, considerando o tempo total que já dura esse apocalipse da pandemia.

Coincide com o ponto em que as memórias dos últimos shows começaram a ficar bem distantes e com o ponto em que a expectativa de voltar a construir novas memórias no curto/médio prazo foi pro ralo.

É como se eu estivesse tentando, lá no fundo, achar um jeito de não esquecer como é a sensação de estar no meio de uma multidão cantando minhas músicas preferidas e descarregando emoções numa experiência quase espiritual.

via GIPHY

Desligada por dentro

É também uma tentativa de voltar a fazer funcionar uma parte dentro de mim. Como bem descreveu o chefe de imprensa do Royal Albert Hall, em um texto para o Guardian no ano passado, desde que os shows pararam, é como se uma parte dentro de mim tivesse sido desligada.

E assim como ele (e acho que é por isso que me identifiquei tanto com o texto), não foi desligada só por razões pessoais, mas por razões profissionais também. Música ao vivo também é o meu trabalho.

Cubro shows esporadicamente desde 2006, regularmente desde 2010, e passei os últimos cinco anos antes da pandemia me dedicando intensivamente a isso com o Festivalando. Não foram só os shows e festivais que foram embora; muito do que foi construído no Festivalando foi embora também, tão rápido quanto o vírus se espalhou.

Eu fico revendo os shows em que estive e, entre uma lembrança alegre e um choro besta, me pego pensando se “quando tudo isso acabar” a espontaneidade de experimentar a música ao vivo vai voltar naturalmente com toda energia represada esse tempo todo ou se vai ter algum estranhamento ou readaptação.

Os festivais esperam por nós

Na dúvida, recorro ao Royal Albert Hall outra vez, pra me apegar à mensagem por trás do vídeo de comemoração dos 150 anos da casa, celebrados na última segunda-feira (29).

Entre imagens do local esvaziado pela pandemia e arquivos de shows antigos, Mick Jagger narra trechos do poema “For Friends Only“, escrito pelo britânico W. H. Auden nos anos 1960. Os versos escolhidos casam perfeitamente com a situação atual e dão um quentinho no coração:

Vazia e silenciosa a maior parte do ano,
Esta sala espera por você
(…)
Distância e obrigações nos dividem
Mas a ausência não será um mal
Se fizer do nosso reencontro
Uma ocasião real. Venha quando puder:
Sua sala estará pronta

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