Capas de disco, aquelas que registram lugares reais, são como uma janela com vista pra algum canto no mundo. Elas te mostram um recorte de lugar. Se você der uma volta do lado de fora, vai conhecer o que tem no entorno. Na expectativa de que as capas de disco em Londres me ajudassem a descobrir lugares para além do seu ângulo de visão e dos roteiros mais comuns, fiz um roteiro nessa linha. Já tinha feito essa brincadeira no East Village, em Nova York, e gostei.

Em Londres, essas janelinhas musicais me levaram pra alguns caminhos com ainda mais música, indicando que um roteiro de Londres sem um mínimo de vestígio musical vai contra a natureza da cidade.

Uma playlist pra acompanhar a saga atrás das capas de disco em Londres

O roteiro de Londres que vem a seguir é longo, pede fôlego e, claro, pede muita música também. Voilá.

Mayfair, The Rise and Fall of Ziggy Stardust e gastronomia

capas de disco em londres

Numa ruela sem saída no meio do triângulo turístico formado pelo Hyde Park, Regent Street e Oxford Street, mais precisamente no número 23 da Heddon Street, fica a calçada onde Bowie posou para a capa de The Rise and Fall of Ziggy Stardust (1972).

Não tem nem de longe aquele jeito de beco cabuloso da foto de 1972. É um concentrado de restaurantes chiquérrimos, daqueles que eu ficaria receosa até de pedir uma garrafa d’água. Coincidência ou não, o ontem e o hoje do endereço da capa do disco de Bowie reúnem duas marcas de Mayfair: um bairro de alto padrão, com restaurantes idem e endereços musicais históricos.

Beatles, Handel, Hendrix e mais restaurantes

Paralela à Heddon Street fica a Savile Row, cujo prédio de número 3 foi a sede da Apple Records nos anos 1960 e o cenário do último show dos Beatles, o famoso rooftop concert. E paralela a ambas fica a Old Burlington, onde está o Cecconi’s, um restaurante que poderia ser só mais um na região, não fosse o restaurante que Paul McCartney gosta de frequentar. Sou fã e sei desses pormenores de stalker. E sei que ele frequenta na companhia da esposa, das filhas e também de seus amigos. Uns caras tipo Ron Wood, Bruce Springsteen, sabe?

Saindo dali, a poucos metros estão duas vias importantes em um cruzamento. A New Bond Steet, com galerias de arte moderna que podem valer uma parada, e a Brook Street, que tem um cruzamento de outra ordem. Nos números 23 e 25, separados por 248 anos, viveram Jimi Hendrix (de 1968 a 1969) e Friedrich Handel (de 1723 a 1759). Hoje, os dois endereços são museus com visitação aberta ao público.

A entrada é feita pela Lancashire Court, onde há um emaranhado de ruelas com mais restaurantes charmosos e um tanto afrontosos para as libras no seu bolso. Um deles, o Hush, tinha no menu um pão de queijo (sim, escrito em português e tudo) de 7 libras (risos nervosos de uma mineira que se ofende com tentativas de ~pão de queijo fora da fronteira do país Minas Gerais).

Soho, (What’s the Story) Morning Glory? e vibes alternativas

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Vizinho de Mayfair, o Soho é um bairro de Londres famoso entre os turistas. Mas pode ser que nem todo mundo dê bola para uma rua em especial, a Berwick Street. A não ser que você saiba que, em 1995, ela foi o endereço da sessão de fotos para a capa de (What’s the Story) Morning Glory?, do Oasis.

O que a capa não deixa a gente saber é que a rua tem um ar alternativo, com brechós, lojas de discos (Sister Ray e Reckless Records), de fantasias, produtos orgânicos, tecidos e a conceituada Underground, conhecida por seus creepers, coturnos e outros modelos de calçados inspirados em sub-culturas urbanas.

Se você estiver sentindo falta de algo mais turístico, sem problemas. A poucos quarteirões dali fica a Carnaby Street, o epicentro da swinging London dos anos 1960. Encruzilhada da música com a moda à época, foi frequentada por Hendrix, Beatles e Stones, atraídos pelas lojas com propostas criativas que se instalavam ali.

Hoje a Carnaby segue sendo uma das principais ruas de compras de Londres – junto com a Regent e a Oxford, com lojas de marcas famosas e outras bem descoladinhas de roupas, maquiagens e souvenires. Se quiser levar pra casa uma lembrança de Londres com pegada mais criativa, a We Built This City está lá pra isso.

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Southwark, London Town e um cartão-postal

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Um cartão-postal símbolo de Londres, um artista símbolo da Inglaterra, um bairro e um disco nem tão representativos, mas com suas boas surpresas. O cartão-postal é a Tower Bridge e o artista é Paul McCartney. O bairro é Southwark, na margem sul do Tâmisa. O disco é London Town, trabalho de 1978 de Paul com o Wings, a banda que ele formou depois dos Beatles. A capa tem a famosa ponte ao fundo.

Não é dos meus preferidos dentre os que Paul fez com o Wings e a Tower Bridge já não era uma novidade pra mim nesta segunda viagem pra Londres. Mas fiquei feliz de repetir o passeio nesse trecho das margens do Tâmisa porque dessa vez olhei mais além da janela do cartão-postal e descobri a Hay’s Galleria.

O que um dia já foi um armazém na região portuária de Londres hoje é um complexo com restaurantes e cafés para todos os perfis e bolsos, desde os locais e requintados até as redes internacionais de preço acessível.

Ainda nas margens do Tâmisa: Bob Dylan

Seguindo pelo Tâmisa, seja do lado sul ou norte, há um desfile de pontos turísticos famosos de Londres: Tower of London, Tate Modern, Shakespeare’s Globe e a Millenium Bridge. Mas, antes de chegar ao conjunto mais famoso deles, formado pelo Big Ben, o Parlamento e a London Eye, tem um beco sem saída na margem norte do rio que merece atenção.

Ele fica atrás do luxuoso hotel The Savoy e é hoje muito mais que um beco qualquer porque um dia, em 1965, Bob Dylan gravou o clipe de Subterranean Homesick Blues usando-o como cenário.

Quase vizinha do hotel é a Sommerset House, um palácio onde hoje estão instaladas galerias de arte e que durante o verão recebe a Summer Series, série de shows na área externa. Numa espécie de auto-flagelação, só pra ficar com mais vontade, passei por lá no dia que Rosalía estava escalada para se apresentar, com ingressos esgotados. Ter visto a espanhola ao vivo no Lollapalooza Chile ainda não foi o suficiente pra mim.

City of Westminster, Anticipation e um refúgio

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Dos cartões-postais dos turistas para os lugares preferidos dos locais, o ponto de atenção agora é o Regent’s Park. É para onde muita gente que mora na cidade vai num fim de tarde não tão quente de verão, mas com um sol decente para os padrões de Londres.

Uns vão levar o cachorro pra passear, outro vão correr. Há quem vá fazer um pique-nique meio com jeito de happy hour, com garrafas de rosé e uns sanduíches. Tem gente que vai pra simplesmente deitar na grama. Uma boa parte escolhe um dos pontos mais bonitos do parque pra fazer isso: o Queen Mary’s Garden. O jardim é povoado por dezenas de espécies de rosas e begônias. Em um dos portões que delimitam a área do jardim, Carly Simon posou para a capa de Anticipation (1971).

Sendo o Regent’s um dos parques reais, tudo se conserva como na melhor tradição britânica. Os portões hoje ainda são os mesmos que serviram de apoio para Carly.

Camden, The Clash e efeverscência

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Merecedora de um roteiro à parte, Camden é cheia de estímulos, histórias e muito disso está nos labirintos dos mercados alternativos que são típicos da região. A “recepção” que o bairro oferece na saída do metrô, na High Street, já antecipa um pouco do que vai ser a cara do passeio daqui pra frente. Feirinhas com produtos de todo tipo, ambulantes oferecendo discos de artistas novos, uma mega loja de botas e produtos de couro, a New Rock Shop.

O endereço foco aqui é o Stables Market e o ponto exato onde o Clash posou para seu disco de estreia, o homônimo de 1977. Pra minha insatisfação, o acesso à escada (na época da foto era uma rampa) estava barrado por uma corrente.

Mas a chateação não tem como durar muito num lugar como este. Perto da escada está a loja conceito da Dr. Martens que, sozinha, já valeria a ida ao mercado. A loja da marca que ficou famosa pelas botas que ajudaram a definir a estética punk na Inglaterra tem um espaço com exposição que conta a história da empresa, seus laços com a música e itens raros de artistas, inclusive um espaço inteiramente dedicado ao Clash.

Stables, Camdem Lock, Horse Tunnel e Amy

É também no Stables Market que fica a estátua de Amy Winehouse. Mas depois de algumas horas rodando de um canto pra outro nos corredores labirínticos dos mercados de Camden eu já não sei dizer qual é qual. Stables, Camden Lock, Horse Tunnel, eles se misturam uns com os outros na localização e no estilo. Mercado de pulgas, moda autoral, comida de rua, artigos esotéricos, vinis.

O pub da treta do britpop

Antes de ir embora pela estação de metrô Camden Town, em High Street, uma parada em um pub ali perto. E não é pela cerveja. Dentro do The Good Mixer, em algum ponto dos anos 1990, Noel Gallagher encontrou Graham Coxon pela primeira vez e soltou um “Nice music, shit clothes” pra ele. Reza a lenda, foi assim que começou maior treta da música britânica, Blur x Oasis. Nessa briga eu fico do lado do Blur, usando o fator Liam como critério de decisão.

Na mesma época, durante a era de ouro do britpop, Elastica e Pulp também tomaram umas ali. Na falta de Jarvis Cocker pra tomar umas comigo e ouvir minhas sofrências, tomei eu mesma sozinha um pint pra brindar essa saga por Londres.

O mapa das capas de disco em Londres e os lugares pra onde elas nos levam

Os lugares das capas de disco em Londres e os locais de interesse nas proximidades citados neste texto (em negrito) estão sinalizados no mapa abaixo.

E Abbey Road?

Beatles é um capítulo à parte na minha vida. Por isso, a região no entorno de Abbey Road tem um texto só pra ela, junto com outros lugares dos Beatles em Londres que eu visitei na minha primeira viagem à cidade.

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