A história do Lollapalooza Brasil 2019 é a de uma relação ambígua entre fãs e festival. Algo como Deus me livre, mas quem me dera. Ou credo, que delícia; você não vale nada, mas eu gosto de você. Ou, ainda, pra quem quiser uma referência mais ~vintage~, entre tapas e beijos.
Começou com a ira pelo preço do ingresso. Por si só, já era alto demais e pareceu ser ainda mais caro quando o lineup pouco unânime saiu – a sensação foi de que não valia o quanto custava.
Mesmo com a relação estremecida, os mais confiantes deram uma chance e compareceram ao autódromo de Interlagos em número significativo (apesar de não ter sido o suficiente para esgotar os ingressos como no ano passado; uma média de 80 mil pessoas por dia, contra 100 mil em 2018).
Como optar por virar as costas pro Lolla quando você também tem a opção (e o privilégio) de poder estar onde muita gente também gostaria de estar durante um dos fins de semana mais falados do ano?
Além disso, valia o voto de confiança, principalmente diante de promessas de melhora do festival, como a disponibilização de água e wi-fi de graça (não fez mais que a obrigação, Lolla). Sabe como é, aquela esperança de que as coisas vão mudar pra melhor depois de uma discussão séria. Mas vieram, então, outros testes de paciência.

Estresse na sexta
Na sexta-feira, na volta pra casa, uma falha no sistema elétrico da linha 9 – Esmeralda, deixou quem voltava do festival preso dentro do trem por cerca de meia hora. Com o sistema parado, o tempo de transferência para as linhas do metrô, que já estava apertado, foi comprometido. Em algumas linhas a transferência foi possível mesmo depois do horário, em outras, não.
É importante dizer que as cobranças em relação à falha não podem cair sobre o Lolla. Os trens são de responsabilidade do governo do Estado de São Paulo. E somente na semana do festival foram registradas três falhas semelhantes na linha 12 – Safira, fora um problema em uma composição na linha Azul do metrô. Ou seja, é recorrente.
Porém, indiretamente, o incidente expõe como a volta pra casa foi um problema no Lollapalooza Brasil 2019. Pode não ser tão simples o processo de negociação para prolongar o funcionamento do metrô nos dias de Lolla. Mas, se isso não é possível, o festival tem que parar de subtrair tempo dos usuários do metrô na hora de montar a programação.
Até 2017, o tempo entre o fim dos shows e o fechamento do metrô era de razoáveis duas horas. Do ano passado pra cá, o horário de encerramento é irregular, mais tarde, prejudicando quem usa o transporte de massa pra voltar pra casa (a maioria).
Na sexta, dia da falha citada, havia 1h15 apenas desde o fim dos shows até o fechamento do metrô. Um espaço de tempo super apertado que se tornou quase impraticável diante da pane elétrica. Com um intervalo mais adequado, talvez o mesmo incidente não tivesse provocado tanto transtorno.
Climão no sábado
No sábado, foi a vez da chuva colocar à prova a relação. Um alerta de raios e chuva forte na região de Interlagos fez a organização parar o festival, cancelar shows (Silva e Chemical Surf), evacuar o autódromo e fechar os portões. Em que medida os procedimentos foram corretos ou não, só um especialista pode dizer.
Mas a comunicação do ocorrido poderia ter sido mais objetiva. Houve reclamações de falta de orientação e de clareza no momento em que a chuva se aproximava.
Desde o início da semana a previsão era de chuva para o sábado e domingo. Por que não, por exemplo, deixar mensagens prontas que pudessem ser disparadas nos telões dos palcos sobre protocolos de segurança em caso de chuva forte pra que todos entendessem a situação e soubessem o que fazer numa eventualidade dessas?
Avisar nas redes sociais, como o Lolla fez, não é suficiente. Quem cuida da comunicação do festival deve saber que uma postagem nas redes sociais não chega para todos os seguidores no exato momento em que ela é publicada. Alguns verão só mais tarde, outros nem isso, pois são os algorítimos que decidem quando e para quantas pessoas a mensagem vai chegar.

Fazendo as pazes no domingo
Veio o domingo, enfim. A chuva esperada não caiu, apesar de nuvens muito carregadas terem encoberto Interlagos no fim da tarde. O público era ligeiramente menor, desafogando as limitações do espaço do festival; não teve imprevisto no metrô. Um dia sem farpas. De ruim, depois de tantos danos na relação, só mesmo aquela inevitável melancolia dominical de que o fim se aproximava e que a vida estava prestes a voltar à maçante normalidade.
Não pise no nosso amor, Lolla
Certamente, em 2020 a maioria que tiver escolha vai optar por estar de volta (só quem foi pela primeira vez ao festival neste Lollapalooza Brasil 2019 e escolheu o sábado talvez repense e guarde um certo “trauma”; foi realmente um dia complicado). Resta ao Lolla valorizar essa persistência.
O festival, que vinha numa curva crescente depois de uma explosão de público nos últimos anos, desacelerou um pouco este ano. Que faça o melhor para não começar a andar pra trás e se afastar de quem tanto lhe dá prestígio.
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6 Comments
Mondeyv Freitas
Otima análise
Priscila Brito
obrigada 🙂
Renan Esteves
Os bebedouros e o WiFi conseguiram cumprir a finalidade? Os banheiros continuam sendo os químicos? Sobre a questão do transporte, Lolla tem que chegar a um acordo com o Estado de São Paulo pra colocar o metrô 24 horas, porque vai continuar o mesmo sanhaço se nada for feito, sendo que o público também tem que cobrar, como foi o caso da água.
Priscila Brito
Poxa, escrever o texto às duas da manhã dá nisso, você se esquece de comentar outros pontos importantes. Água: funcionou. Achei que a estação do palco Ônix tava sempre com fila maior e por isso usei mais a do Bud, mas de modo geral o serviço fluiu. WiFi: achei ótimo que colocaram a cobertura no Lolla inteiro, mas super desnecessário exigirem CPF e e-mail para uso. A General Motoros vai usar os dados para contato comercial e comunicação. Não quis compartilhar uma informação tão importante quanto o CPF pra ficar recebendo propaganda de carro, porque eu sequer dirijo. Por isso, não sei se a rede fluiu.
Quanto ao metrô, acho que não precisa ser 24 horas igual o Rock in Rio. O RIR a gente não sabe nunca que horas termina o show do Palco Mundo (já saí da Cidade do Rock 2h, 3h, 4h da manhã), então tem que ser a madrugada inteira mesmo. Pro Lolla, que tem hora certa pra acabar, um intervalo de três horas entre o fim dos shows e o fechamento do metrô já melhoraria muito, evitando correria. Isso eles conseguem ou ampliando o horário do metrô ou repensando os horários da programação.
Erick Sofredini
As estações de água pareciam ter sido anunciadas só para falar que tinha. Contei 3 e com filas que atravessavam as pistas dos shows. Facilmente se perdia mais de meia hora. Infelizmente ainda prefiro comprar um copo de água por R$ 6,00.
Priscila Brito
Eu não cheguei a gastar tanto tempo assim, mas realmente presenciei filas longuas e desanimadoras principalmente no Ônix.