As mudanças climáticas são uma realidade incontestável e, no universo dos festivais, o fenômeno comumente ganha espaço sob o viés da preservação e da sustentabilidade, com eventos propagandeando medidas de redução das emissões de carbono, projetos de reciclagem e gestão de resíduos. Mas há a outra face da moeda que precisa entrar com mais força na pauta de organizadores e público: os eventos climáticos extremos, aos quais os festivais são tão vulneráveis.

De ondas de calor e secas a tempestades violentas, os fenômenos extremos do clima são cada vez mais comuns, e impõem riscos à saúde, perdas de vidas e danos materiais. Não precisamos ir longe nem voltar muito no tempo para encontrar exemplos concretos e, infelizmente, fatais, desses episódios em festivais.

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Os eventos climáticos extremos já atingem os festivais no Brasil

Em um intervalo de quatro meses, duas mortes em shows e festivais no Brasil foram registradas em decorrência de condições climáticas. Em novembro de 2023, Ana Clara Benevides morreu durante o show de Taylor Swift no Rio de Janeiro por exaustão térmica. Naqueles dias, muitas cidades brasileiras passavam por uma onda de calor extremo.

Em março de 2024, João Vinícius Ferreira morreu durante o I Wanna Be Tour, também no Rio, ao ser eletrocutado depois de encostar em um food truck próximo à pista premium. Havia chovido forte, ele estava molhado e o food truck, energizado. Na noite do festival, a cidade havia entrado em Estágio 2 pelo Sistema de Alerta Rio, que indica riscos de ocorrências de alto impacto, numa escala que vai até 5.

Além desses registros fatais, foram notáveis o cancelamento do segundo dia do Tomorrowland Brasil 2023 e do do REP Festival 2023, ambos por estragos das chuvas. No caso do REP Festival, o primeiro ocorreu altamente afetado pela chuva, gerando caos para o público e cancelamentos de shows por parte de artistas, sob alegação de falta de estrutura e segurança.

Não é mais só uma questão de melhorar a organização

É comum que diante de episódios do tipo venham à tona os argumentos sobre a necessidade de uma melhor organização dos eventos, mas no contexto dos eventos climáticos extremos, está claro que há um problema muito maior a ser encarado.

Riscos climáticos sempre existiram para qualquer atividade ao ar livre, mas agora eles são maiores, podendo ocorrer com mais frequência e com mais força.

É necessário que os festivais se planejem em conformidade com o novo contexto e que o público esteja ciente do que precisa fazer e do que deve cobrar dos eventos, na condição de consumidor. Afinal, sua segurança está em jogo em um cenário de evento climático extremo.

As boas práticas para os festivais

Não há regulamentações específicas de medidas a serem adotadas por festivais diante de eventos climáticos extremos, mas há boas práticas recomendadas por empresas do setor e agências governamentais.

As informações a seguir são um combinado de recomendações da TS Entertainment, agência de eventos do Texas, nos EUA, do Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA e do Ministério da Saúde de New South Wales, na Austrália. No caso destes dois últimos, há documentos específicos com orientações para a realização de eventos.

Em caso de calor, água de graça não é o bastante

Fornecer água de graça é o mínimo quando se trata do risco de temperatura extrema. Assim, a portaria publicada pelo Ministério da Justiça em novembro de 2023 após a morte de Ana Clara Benevides no show de Taylor Swift que obriga a disponibilização de água em festivais e shows, apesar de extremamente necessária, toca somente na superfície da questão — e mesmo que fosse ideal, o fato é que ela tem validade apenas de 120 dias, a serem encerrados em 18 de março de 2024.

Os projetos de lei em tramitação na Câmara e no Senado que foram propostos no calor do episódio também não avançam na questão, e ficam somente na exigência do fornecimento de água.

As diretrizes para os organizadores de festivais estabelecidas pelo Ministério da Saúde de New South Wales, na Austrália, revelam como há muito mais a se fazer em caso de altas temperaturas:

  • É preciso que haja água potável para hidratação, para refrescamento e para higiene (lavar as mãos)
  • Em conjunto com a oferta de água, é preciso que os banheiros sejam sanitariamente adequados. O entendimento do órgão de governo é que banheiros com estrutura ruim, que ficam sujos e desagradáveis com facilidade, desencorajam as pessoas a tomarem a quantidade de líquido necessária
  • Áreas de sombra, áreas de descanso, estações de nebulização e ventiladores industriais também ajudam em caso de calor
  • É recomendável também oferecer água na entrada e na saída do festival, além de adotar medidas para refrescar o público em filas, sejam na entrada do evento ou filas internas, por exemplo em bares, principalmente se essas filas se formarem nos momentos mais quentes do dia

Em caso de chuva, comunicação é crucial

Além do auxílio de especialistas em meteorologia, acompanhamento dos alertas emitidos pelas autoridades e uso de equipamentos que podem ajudar nesse monitoramento, as recomendações das organizações citadas acima incluem:

  • Comunicados ao público relacionados ao clima antes e durante o evento, orientando o que usar com base na previsão do tempo
  • No caso de alertas mais críticos, que exijam o gerenciamento da multidão, deve haver comunicação com o público em diferentes canais, como sistemas de som no local, telões, disparo de SMS e redes sociais
  • Evacuação da área em casos de alto risco; apesar de ser uma medida extrema, pode ser o mais seguro; ideal seria haver abrigos em potencial no exterior do local para as pessoas se protegerem após a evacuação

Como o público pode se preparar

Vai a um festival? Além de estar ciente das boas práticas mencionadas acima para saber o que exigir dos organizadores de festivais, cobrando nas redes sociais, considere tomar as seguintes medidas gerais para se preparar para as condições climáticas do dia:

  • Verifique os alertas do Inmet, o Instituto Nacional de Meteorologia. A ferramenta informa sobre ondas de calor, tempestades, vendavais e outras condições climáticas em todo o Brasil
  • Verifique a previsão do tempo não mais que dois dias antes do evento. Uma antecedência maior pode oferecer dados menos precisos e que podem vir a mudar depois
  • Atenção aos comunicados dos festivais nas redes sociais e em outros canais (email, aplicativos). A comunicação ao público sobre condições meteorológicas é considerada boa prática; passar a cobrar isso dos festivais é uma forma de exercer pressão para que o problema seja tratado com a seriedade devida

Em caso de calor, hidrate-se e descanse

  • Consuma as quantidades adequadas de água para o seu peso (calcule aqui). Lembre que as quantidades podem ser maiores em caso de maior exposição ao calor e muito suor
  • Faça uma pausa sempre que possível em áreas de sombra e descanso
  • Mais uma vez, cobre dos festivais a oferta de água potável e de áreas de sombra e descanso

Em caso de tempestade com raios, atenção ao seu redor

Segundo a cartilha de proteção contra raios do Inpe, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em caso de tempestade:

  • NÃO fique próximo a carros, motos e transportes em geral;
  • NÃO fique em campo aberto
  • NÃO fique perto de objetos que conduzem eletricidade nem de objetos metálicos grandes
  • NÃO fique em um abrigo aberto

Em um festival a céu aberto, pode ser complicado cumprir com todas essas medidas, por isso a evacuação da área (como já ocorreu no Lollapalooza 2019) pode ser a medida mais segura em alguns casos. Atentar-se para os comunicados do evento relativos à chuva, e cobrar para que exista esse sistema de comunicação, é essencial.

Leia também: água de graça em festivais, oito anos depois

Crédito da imagem em destaque: Vidar Nordli-Mathisen via Unsplash

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