Festival cancelado soa como notícia de dois ou três anos atrás, do período em que a pandemia eclodiu. Mas esse fantasma segue assombrando os eventos, apesar da crise sanitária ter ficado para trás. Nos últimos meses, vários festivais europeus noticiaram o seu cancelamento.

Os impactos duradouros da pandemia no mercado de música ao vivo, combinados com a dinâmica atual da indústria dos festivais, e realidades econômicas locais estão por trás desse revival indesejado.

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Custos, custos, custos

Custo é a palavra-chave por trás dos comunicados oficiais de muitos dos festivais cancelados. De uma lado, estão os custos de produção de eventos, desde aqueles referentes à manutenção até os que envolvem estrutura, logística e pessoal — as estimativas de aumento de 30% nos custos dos eventos na Europa.

De outro, está o aumento do custo de vida para a população: crises inflacionárias e, em alguns casos, as consequências econômicas da guerra na Ucrânia, estão reduzindo o poder de compra do consumidor. O resultado dessa equação é a dificuldade de entregar ao público um festival com os padrões adequados por um custo que caiba no bolso das pessoas.

Em maior ou menor medida, esses foram os argumentos apresentados por festivais no Reino Unido (Doune the Rabbit Hole, 1 Big Summer, Detonate Festival, Beyond Festival, MiNT Festival, At Ease), na Croácia (InMusic), Noruega (Beitostølen Live, Kadetten, Skral in Grimstad, Oslo Americana, Festival Imperium), Bulgária (Hills of Rock) e Alemanha (Download Germany, Wireless Germany). É importante ressaltar que os festivais cancelados não se limitam aos citados neste parágrafo.

Saturação, concorrência e desigualdade

Outro ponto importante que é recorrente no pronunciamento oficial de muitos desses festivais é a atual dinâmica do mercado, marcada pela saturação. A quantidade de eventos cria uma concorrência entre eles por artistas, patrocínios e fornecedores.

A alta demanda também infla os custos, inviabilizando a realização de alguns festivais, principalmente os menores e com menor poder econômico. Não por acaso, a imensa maioria dos festivais citados acima são de caráter independente, e de pequeno a médio porte.

Não quer dizer que os grandes também não estejam sendo atingidos pela crise. O CEO da produtora alemã FKO Scorpio, responsável pelo Hurricane e Southside, Folkert Koopman, disse em uma entrevista ao Kreiszeitung que o Hurricane perdeu dinheiro no seu retorno em 2022 mesmo tendo esgotado todos os ingressos. De modo geral, ela estima que somente 20% dos festivais europeus hoje sejam lucrativos.

De todo modo, em momentos de crise econômica, quem tem mais perde um pouco e quem tem pouco perde muito mais. A gerente da associação de Produtores Culturais Noruegueses, Siri Haugan Holden, observou em uma entrevista para IQ Mag que as produtoras com maior poder financeiro estão se distanciando muito do restante do mercado no atual contexto.

Isso tem o potencial de minar a concorrência, impulsionar monopólios (não que eles já não estejam por aí tomando conta do setor), tornar o mercado mais homogêneo e deixar o consumidor nas mãos de pouquíssimas empresas (e essa não é uma realidade só do exterior).

E o Brasil?

Não somos uma ilha, estamos vindo de anos economicamente difíceis, vivemos a mesma pandemia (ou pior) que aquela do lado de cima do Equador e, para completar, geramos receita em reais em um mercado regulado pelo dólar.
Ainda não chegamos ao ponto de presenciar festivais brasileiros sendo cancelados em sequência, mas já são notórios para o público aqui os efeitos das tormentas do mercado.

A saturação é um deles, com uma percepção geral de que há festivais demais por aí. O custo dos ingressos é o mais sentido de todos, consequência do repasse do aumento de custos ao público.

Um exemplo é o Lollapalooza, cujo valor da inteira do primeiro lote do Lolla Pass foi de R$ 1.500 no Lolla 2020 (pré-pandemia) para R$ 2.250 no Lolla 2024.

O Festival Sensacional!, de Belo Horizonte, explicou em uma thread no Twitter que os custos de fornecedores tiveram um aumento de 30% a 200%, dependendo do serviço. O cachê de artistas, por sua vez, subiu 400%. Houve também realocamento das verbas de patrocínio dos festivais para outros segmentos do mercado, deixando os eventos com menos recursos para operar.

Também de Belo Horizonte, o Festival Sarará revelou que a realização do festival hoje custa quase três vezes mais que antes da pandemia. Houve aumento do preço do ingresso no período, mas o evento afirmou que conseguiu evitar o repasse proporcional ao público.

Já o Ceará Music não teve o mesmo destino e sua edição 2023 foi cancelada devido aos custos altos para atender a estrutura exigida para o festival e também aos custos de turnês internacionais no estado.

Não é um cenário confortável para as partes envolvidas, e a retomada dos festivais, pelo que se viu até aqui, ainda está longe de ser o desfecho dos problemas nascidos durante a pandemia.

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Crédito da imagem em destaque: Danny Howe/Unsplash

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