Atualizado em 28/3/2022 – Já faz tempo que a gente não aguenta mais aguentar. O retorno do Lolla, o primeiro grande evento de alcance nacional desde o início da pandemia, era potencialmente uma celebração de um monte de desejos e sensações abafadas nesses últimos anos tão difíceis.

Não que não tenha sido. Mas a realidade fora e dentro do Lolla atropelou o festival várias vezes nos últimos três dias para lembrar que não há uma rota de escape fácil para um período tão complicado.

A realidade do lado de fora

O clima

Já no primeiro dia, a chuva com fortes ventos deixou uma pessoa ferida (sem gravidade) com a queda de uma estrutura, interrompeu o festival por quase uma hora e atrasou os shows. Um novo alerta meteorológico no domingo fez o festival parar outra vez e deixar parte do público que chegava trancada para fora do autódromo.

Vale lembrar que em 2019 a chuva também interrompeu o Lolla e obrigou a evacuação do público. Num país que tem que lidar sempre com as “águas de março”, somado à probabilidade crescente dos chamados eventos climáticos extremos, o Lolla fica inevitavelmente vulnerável ao clima do período.

A morte

O problema previsível do clima ganhou companhia do inesperado no fim do primeiro dia de Lolla com a notícia da morte de Taylor Hawkins, a princípio consequência de uma overdose, segundo perícia preliminar. Uma perda repentina, daquelas carregadas de consternação, e um desfalque sem conserto na programação do festival.

A política

A essa altura o retorno do Lolla já tinha acumulado problemas o bastante, mas o sábado chegou com mais um. O PL, partido de Jair Bolsonaro, acionou o TSE para impedir manifestações políticas de artistas, demandando multa e o encerramento do Lolla caso as manifestações continuassem.

O Tribunal concedeu a liminar, mas a decisão não pôde ser cumprida por causa de um erro no CNPJ informado na ação.

Mesmo sem efeito prático, e com os artistas deliberadamente confrontando a tentativa de censura, o movimento na Justiça veio para lembrar que teremos pela frente um processo eleitoral desgastante e pesado este ano – e ele já começou, ainda que o período de campanha não tenha começado.

A realidade do lado de dentro

Dentro do Lolla, problemas próprios do festival nos aguardavam para o reencontro.

A volta pra casa penosa foi um desses reencontros. O problema ficou mais evidente no sábado, dia de público mais intenso. A saída principal, que dá acesso ao metrô, ficou intransitável com a grande quantidade de pessoas e a falta de orientação em pontos críticos dentro do autódromo (principalmente a curva da saída do Chef Stage em direção ao Palco Perry), adicionando uma camada a mais de desgaste na caminhada longa até a estação de trem.

A ausência das estações de água gratuita foi o problema surpresa. Depois de anos de espera (os vizinhos Lolla Chile e Argentina oferecem isso desde sempre), a ação de patrocinador muito bem-sucedida de 2019 não teve continuidade, mesmo o retorno do Lolla tendo sido bancado por dezessete marcas.

Lounges chamativos, metaverso, brindes. Sobrou criatividade e termos pomposos para as marcas desenvolverem suas ações dentro do festival (experiential marketing, live marketing, blá blá blá), mas faltou olhar menos para os próprios interesses e mais para o público e manter o mínimo para uma experiência de festival decente: água à vontade.

Nesta edição também ficaram mais escancaradas as falhas de acessibilidade do Lolla, justamente quando o festival decidiu, tardiamente, fazer uma campanha sobre o tema. Foram muitas as queixas de problemas nos serviços (ou falta deles) expostas por pessoas com diferentes tipos de deficiência.

A revista na entrada também pecou e o público apontou a grande brecha de segurança que foi aberta com a inspeção superficial de bolsas e mochilas.

Mas não teve nada de bom?

Teve. Os artistas, como sempre. Assim como foi a música que fez o hiato de shows presenciais ser menos difícil, foi a música que contrastou positivamente com o retorno truncado do festival. Daquilo que foi humanamente possível presenciar na correria de um palco para o outro:

A grandeza de artistas nacionais como Pabllo Vittar, Jão e Glória Groove, muito maiores que o tamanho que seus nomes ocupam no cartaz do festival, e com público tão numeroso quanto o de artistas internacionais.

Miley Cyrus entregando tudo e além do que uma headliner tem que entregar, levando Anitta em um momento histórico de sua carreira (o número 1 global) para o palco do Lollapalooza.

A fúria punk antifascista do Idles.

O poder do Black Pumas de transportar para uma dimensão divina.

E o show de encerramento, aquele que não era pra ter sido mas foi o que deu pra fazer.

O espaço que o Foo Fighters preencheria com a energia catártica e escapista que se espera de um show de encerramento de festival foi ocupado por Emicida e um time de rappers convidados, mais o Planet Hemp, com lembretes recorrentes de que a realidade ainda é difícil, com ou sem pandemia; que a segunda-feira está aí; e a vida normal, com todos os seus problemas, espera a gente.

6 Comments

  • Miguel
    Posted 28 de março de 2022

    Ótimo seu texto, Priscila, o tão aguardo Lolla veio… foi… e agora é encarar todo o resto! Valeu pela cobertura, pelas informações, enfim… o Festivalando como um todo! Que ajudou muito, inclusive no compartilhamento de sentimentos nesse hiato. Valeuuu!

    • Priscila Brito
      Posted 28 de março de 2022

      Obrigada, Miguel! É sempre muito bom receber esse tipo de retorno e saber que o Festivalando está cumprindo o seu papel!

      • Cesar
        Posted 28 de março de 2022

        Exatamente a visão que tive. Foi muito bom ler seu texto. Saber que mais pessoas identificaram, basicamente, e com olhar de produção tbm, os erros e acertos, os perrengues e a satisfação que é estar em um Festival.

        • Priscila Brito
          Posted 29 de março de 2022

          Obrigada, Cesar! Legal saber que captei um pouco do sentimento geral.

  • Gabriel Caldeira
    Posted 28 de março de 2022

    Priscila, adorei o texto, sintetizou muito do que foi o Loola pra mim. Minha primeira vez em um festival, fiquei um pouco assustado na hora da saída, mas felizmente deu tudo certo. Seu texto sobre a comparação entre os Loolas me fez pensar na oportunidade de reservar uma viagem pra Chile, e ter uma experiência diferente com outro tipo de público. Muito obrigado e continue escrevendo 🙂

    • Priscila Brito
      Posted 28 de março de 2022

      Obrigada, Gabriel! Fiquei muito feliz com seu comentário e o incentivo pra continuar escrevendo 🙂 Tentei transmitir mesmo um pouco do sentimento do que foi estar no festival.

      Quanto ao Lolla Chile, sou suspeita porque é o meu preferido e super recomendo a viagem. Esse ano o festival mudou de lugar, então não sei se isso afetou em algo a estrutura e a experiência em relação ao que eu vi das outras vezes, mas espero que não.

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