“A música é menos importante em Roskilde. As pessoas vêm pro festival pra dar um tempo na vida, nas regras, nas obrigações. Elas vêm pra cá pra relaxar, ter trocas, dar e receber amor”. Quem me disse isso foi um dinamarquês que esteve no Roskilde Festival pela sexta vez. Ele chegou com os amigos ao local do festival no sábado (28 de junho) para esperar pela abertura do camping. Montou sua barraca no domingo (29) e só saiu de lá na segunda (7 de julho), um dia depois do fim do festival e data limite para o público deixar o acampamento. Na maior parte desse tempo, ele viu poucos shows. Preferiu ficar com os amigos no camping, ouvindo música no som que eles próprios construíram, bebendo cerveja e recebendo gente dos acampamentos vizinhos.
O que ele me disse no último dia de Roskilde encontrou correspondência com o que observei na minha primeira tarde lá, ainda no dia 29 de junho, e em todos os dias seguintes. O camping é o coração do festival; é lá que a vida acontece sem parar por meio de música, festas, brincadeiras e encontros. É um carnaval dinamarquês – e dura uma semana, não quatro dias.
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Os shows são membros auxiliares. Tanto que a organização divide a área em “camping site” e “festival site”, que só passa a funcionar cinco dias depois de aberto o acampamento. Fui atraída para o Roskilde por causa do show dos Rolling Stones e saí de lá com o sentimento de que se ater aos shows não ajuda a entender o que esse festival de 44 anos realmente é. Os shows, definitivamente, justificam a ida ao festival porque o line up é sempre poderoso, mas se você pensa em aproveitar tudo o que ele oferece, entre e não saia de lá. Ou saia, mas volte no dia seguinte o mais cedo possível e saia o mais tarde possível. E circule, circule, circule. Mas esteja preparado.
Roskilde vai te engolir. E enquanto te mastiga, vai te levar para uma realidade paralela dotada de um peculiar espaço-tempo. Você vai se orientar por blocos e quarteirões de barracas. Um dia vivido lá dentro vai valer por uns cinco dias na vida aqui fora. A música nunca vai parar de tocar. As pessoas não vão dormir. Vai ter gente circulando pra lá e pra cá numa eterna muvuca dinamarquesa como na Praça 7 ou na Sé em horário de pico. Alguém vai te parar em alguma esquina do camping, dizer que te ama, dar um abraço e sair andando. Na entrada de algum show, um outro alguém vai te carregar no colo, sorrir pra você, te colocar no chão e seguir em frente. Em determinado momento, bater papo com um brasileiro que saiu de Londrina e está montando seu acampamento usando uma sunga e uma galocha, ou ficar no camping vizinho com um novo estranho simplesmente jogando conversa fora, pode ter mais apelo que ir caminhando até aquele palco alternativo para um show aleatório. Dar um mergulho no lago ou ver uma competição de skate também pode parecer mais interessante. Vai ter gente se amando como se fosse pra sempre até que o festival acabe.
E no sétimo dia, quando tudo acabar, você não vai conseguir descansar. Quando o festival te cuspir de volta pra vida, vai bater aquela lombeira e aquela melancolia de quarta-feira de cinzas (no caso do festival, aqui na Dinamarca, será sempre, na verdade, uma segunda-feira de cinzas, e a desse ano foi bem cinzenta, com chuva e frio) e vai cair a ficha de que todo carnaval tem seu fim. O que importa é que ficou em mim o sentimento de que a última semana valeu a pena e a certeza de que como o carnaval, Roskilde é um evento no qual a música é parte intrínseca, mas quem faz a festa mesmo são as pessoas, com a liberdade que lhes convém.