Até segunda ordem, e até que eu presencie um modelo ainda mais ostensivo, o Roskilde Festival, na Dinamarca, é o festival mais seguro do mundo. Quem já navegou pelo conteúdo que temos sobre um dos nossos festivais favoritos deve saber bem do que estou falando. Mas 15 anos atrás o status era o oposto e o recém-lançado documentário dinamarquês “Nine Rocks” traz à tona os porquês dessa dicotomia.

“Nine Rocks” resgata a história das nove pessoas mortas pisoteadas durante o show do Pearl Jam no Roskilde em 2000. Quem conduz a narrativa é Tor Nygård Kolding, diretor do documentário e um dos sobreviventes daquela noite de 30 de junho. Kolding foi retirado em estado de choque do meio da multidão após passar parte do show espremido, sem poder se mover, sobre o corpo já sem vida de uma das vítimas.

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A tragédia

Estima-se que cerca de 100 mil pessoas assistiam ao show em um terreno que se encontrava escorregadio e lamacento em função da chuva que havia caído. Progressivamente, a multidão foi exercendo pressão e mais pressão. Quem estava na porção mais próxima ao palco não conseguia se mover.

Houve quem escorregasse e caísse por causa da lama. Esta reportagem completíssima publicada pela Rolling Stone à época traz o relato de uma mulher que estava no ponto mais crítico da multidão. Segundo ela, tinha gente pisando gente achando que era mochila; houve quem percebesse que estava pisando sobre uma pessoa, mas simplesmente não conseguia sair de cima porque não havia espaço para se mover.

A equipe de segurança do festival notou que as coisas haviam saído do controle meia hora depois do início do show. Até que a informação atravessasse todas as partes implicadas e chegasse à banda foram mais 15 minutos.

Eddie Vedder parou o show e pediu que a multidão desse passos para trás para aliviar a pressão e liberar espaço, mas já era tarde. Além dos nove mortos, houve mais de 20 feridos. Foi por meio dessa tragédia, noticiada na MTV à época, que pela primeira vez na minha vida ouvi falar do Roskilde.

Desdobramentos

O “rocks” do título do documentário faz referência às nove grandes pedras que foram espalhadas pela área da tragédia para simbolizar as nove vidas perdidas. É um gesto tocante, mas foi um caminho errático até que o Roskilde assumisse simbolicamente a tragédia e se tornasse um festival nota 10 no quesito segurança do nosso Festivalômetro.

No dia seguinte à tragédia, Oasis e Pet Shop Boys, escalados para tocar no festival, cancelaram os shows por respeito às vítimas e foram ameaçados de processo pela organização do festival por quebra de contrato. Um mês depois, após investigações, a polícia dinamarquesa culpou o Pearl Jam pelo acidente.

Segundo o relatório investigativo, a banda seria “conhecida por incitar comportamento violento”. WTF? Famílias das vítimas entraram com processos contra a organização do festival depois de muito se queixaram da forma como os produtores conduziram o pós-incidente, mas ninguém nunca foi punido pelas nove mortes.

Até que a vergonha se abateu sobre os organizadores, que acabaram fazendo mais do que depositar as nove pedras na área do festival. Parece até paranoico o jeito como a segurança é tratada hoje no Roskilde, conforme a gente contou nesse post aqui, mas é no fundo uma reação proporcional ao tamanho do horror ocorrido em 2000.

Como o Roskilde se tornou um festival mais seguro

A área mais próxima de todos os palcos hoje é delimitada por grades, um pouco nos moldes da divisão que se faz por aqui entre pista premium e comum, só que com mais subdivisões (a foto abaixo esclarece melhor). Porém, não há diferenciação de ingressos neste caso.

É uma forma de controlar a multidão e evitar aglomerações. Em tese, qualquer um com o ingresso do festival pode assistir os shows nessa área, desde que haja espaço suficiente. Um semáforo na entrada indica se você ainda pode entrar (luz verde) ou não (luz vermelha).  Ao fim de cada show é preciso evacuar a área.

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Crowd safety

Quem faz o controle de entrada do público é a equipe de voluntários de segurança, a Crowd Safety, que virou o meu xodó nos meus dias de Roskilde. Sério, muito amor por aqueles fofos que, ao invés de armários mal-encarados vestidos de terno são gente como a gente, jovens, adultos e idosos com um sorriso no rosto (o que convenhamos, cria uma outra noção de segurança, muito melhor, por sinal).

Muitos outros ficam nas divisórias das grades distribuindo água gratuita e com um olhar extremamente alerta, pelo que pude notar quando estive no Roskilde. Qualquer movimentação mais agitada no meio da multidão já é motivo para que eles façam algum tipo de interferência. E há muitos outros deles circulando pela área do festival.

Guia: quatro páginas só sobre segurança

O guia do Roskilde, distribuído na entrada, dedica quatro páginas ao tema segurança. Nele, são reforçadas regras que a gente tem que ouvir à exaustão antes do início de todos os shows em todos os palcos, como mostram as fotos abaixo.

Vendo assim de longe pode parecer procedimento padrão, mas a maneira ostensiva e também zelosa com que a segurança é abordada in loco no Roskilde, por meio da atuação massiva da crowd safety <3 e de instruções repetitivas era inédita pra mim em festivais até aquele momento em que estive lá, e continua sendo, mais de meia dúzia de novos festivais que eu conheci depois.

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Pear Jam

O Pearl Jam se recusaria a fazer shows em festivais por muitos anos. Voltou atrás da decisão algum tempo depois, mas passou a exigir que a produção dos eventos seguisse os parâmetros de segurança impostos pela banda. Stone Gossard, o guitarrista, tornou-se amigo pessoal dos pais de uma das vítimas.

Presente no disco “Riot Act”, de 2002, a faixa “Love Boat Captain” faz referência aos nove mortos. Tor Nygård Kolding fez “Nine Rocks” como forma de processar o trauma que viveu. A trilha do filme é do Pearl Jam. A preimière foi no próprio Roskilde Festival, neste ano, 15 anos após a tragédia.

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