Tudo começa quando você desce na estação central de Oslo e tem que ir ao hotel Clarion para trocar seus bilhetes pelas pulseiras. O hotel Clarion é o QG do festival, que reúne a maioria da equipe, da organização, artistas e expositores. É o lugar aonde você troca seus bilhetes por pulseiras e recebe informativos do festival. É nessa hora, indo para o hotel, na avenida da estação central e nas imediações que você já começa a se acostumar com o fato de que na Noruega as ruas recebem a terminação “gata”. E ao receber seu guia do festival e as informações, uma relação é inevitável: o Inferno Festival e a cartografia underground de Oslo. Explico: O Inferno é um festival de metal extremo – um dos maiores da Europa, que acontece indoor, ou seja, em palcos fechados. Porém, também acontece em várias casas de show, ao mesmo tempo. Ao todo são 6 casas de espetáculos e vários pubs e bares que têm programação especial para o festival. Um mapa ou gps certamente serão as primeiras coisas às quais você vai recorrer quando se vir diante da necessidade e prazer desse deslocamento.

As distâncias são pequenas: mínima de 200 metros, e máxima de 2 km entre um lugar e outro. Logo, percebemos que o Inferno Festival faz um convite para conhecer Oslo, caminhar pela cidade para sentir as diferentes texturas de calçadas e ruas, as diferentes paisagens urbanas delineadas entre uma rua e outra, uma casa e outra. As diferentes pessoas, cheiros e gostos de cerveja que cada um dos lugares reserva.

Na primeira noite, o convite à peregrinação é ainda mais intenso: trata-se da Club Day. Obrigatoriamente, para ver as atrações você deve se deslocar entre um clube e outro. E foi assim que conheci mais alguns pedaços de Oslo para adicionar às minhas boas memórias. Depois de encontrar os amigos em frente a escultura de Tigre da estação central ( parece que esse era um ponto de encontro perfeito… todo mundo usava tal referência), seguimos para o John Dee para a apresentação energética das bandas da Indie Recordings. Uma banda brasileira tocava naquela noite. Vimos a pátria representada pela Patria. No palco do John Dee o som das guitarras distorcidas e pedais duplos fazia meu corpo inteiro vibrar – dos instrumentos para a madeira, da madeira para cada poro dos corpos presentes. John Dee fica ao lado e é internamente ligado ao Rockefeller, outra casa de shows. Naquela noite, este último lugar, maior e que abrigaria no dia seguinte o show do Behemoth, abria suas portas para uma noite latina. Salsa e mambo chegavam aos nossos ouvidos quando íamos à rua dar uma pausa nos shows do John Dee.

club day

Em minha segunda visita à cidade, foi a primeira vez que cortei caminho por trás da ponte/ rua Torgata que passa sobre o rio Akerselva. Segui o curso do rio sob a lua cheia. Vi os recintos em que pessoas bebiam e conversavam alegremente. Ao mesmo tempo, lugares sem uma vivalma. Enfim, cheguei à Vulkan Arena, que é ligada ao clube Pokalen. Vários grandes shows nos esperavam por lá. Um espaço moderno, sem a vibração da madeira de John Dee e Rockefeller, mas com ares arrojados de grandes shows e grandes bandas. Foi lá que vi a apresentação inesquecível e impecável dos inovadores musicistas da Arcturus.

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Club Day – John Dee, Rockefeller, Pokalen and Vulkan. Photo: Gracielle Fonseca

Algumas escolhas tiveram que ser feitas, no entanto. Deveríamos passar pelo Blå, outra casa de shows para ver apresentações do Taake e Krakow. Mas, ao invés disso, preferimos andar pelas redondezas do Vulkan, comprar algo para comer no Rema1000 ( supermercado bem comum na escandinávia), que fica no complexo Vulkan. Comprei um energético, um chocolate e um esguio salame para seguir alimentada naquela noite, trve comida de festivaleira com orçamento baixo. Sobre cerveja? Você não pode ir ao supermercado, comprar e sair bebendo pela rua. Não na Noruega!Lá é contra a lei fazer isso. Portanto, beber era um ato restrito aos momentos dos pubs e bem restrito ao meu bolso: 500 ml de cerveja custavam o equivalente a 30 reais. Mesmo assim ainda saboreei algumas. Destaque para as amadeiradas e florais do bar Kniven. Por falar em Kniven, esse foi o primeiro Rock Pub norueguês que conheci. O Fenriz do Darkthrone costumava ser DJ por lá. Ele não estava no comando do som quando fui, mas a música ainda sim era muito boa. Entre algumas figurinhas fáceis de se ver por Oslo, o baixista do Aura Noir entrava e saía desse pub várias vezes.

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trve qvizz do metal no Kniven Bar. Photos: Gracielle Fonseca

Uma das atividades especiais do Kniven para o inferno foi um Trvue Norwegian Qvizz!!! Perguntas sobre metal/black metal, qual é a música – tudo em norueguês, e muito mais. Descobri que noruegueses realmente curtem passar o tempo em pubs brincando de quizz, pois por acidente fui parar num clube diferente dentro da Vulkan Arena, onde estavam realizando quizz tb… mas não era relacionado ao Inferno Festival. Foi no quizz do Kniven que também descobri que estou aprendendo a língua dinamarquesa e, de tabela, a norueguesa. São muitas as similaridades, exceto pelo fato de que os noruegueses imprimem mais ritmo, sonoridade e beleza à matriz linguística nórdica, assim como pronunciam todas as letras, em grande parte das palavras!

A peregrinação para os bares quase sempre tinha ponto de partida do Hotel Clarion, onde passei várias tardes entre exposições, palestras e entrevistas – sim, em paralelo ao festival acontecia também a Inferno Music Conference ( conto tudo em outro post). Depois dessas conferências, era hora de reencontrar os amigos e subir a um novo bar, o Rock In. Este mais próximo do teatro nacional e do centro histórico da cidade. Aconchegante, cerveja um pouco mais barata ( algo em torno de 23 reais por 500 ml) e ambiente um pouco maior do que o Kniven.

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Imediações hotel Clarion. Photos: Gracielle Fonseca

Além da cartografia underground dos rock pubs mais frequentados e dos caminhos e “práticas” dos metaleiros noruegueses, a visita a Neseblod, antiga Helvet, a cinemateca passando filmes temáticos e a preços reduzidos para o público do Inferno, tudo isso acrescentou a mim e aos participantes mais da cultura de uma das cenas do metal mais famosas do mundo. Oslo é bela, moderna, tem ruídos, imigração, bagunça e loja de acampamento e pescaria perto da estação central, igualzinho tem perto da rodoviária de BH, cidade brasileira com a qual fizemos um paralelo. A Noruega e o Inferno Festival me fizeram sentir acolhida e livre para andar por Oslo, para conhecer cada canto da cidade.

Dos clichês aos não-clichês, há de tudo um pouco no Inferno Festival. A organização impecável, receptiva, educada e gentil. Um povo que se conhece por individualista, mas que dá show de simpatia e acolhimento. Sorrisos e olhos sinceros, embriaguez e frio na medida, a sombra, o mal, o bem, o verdadeiro? o falso também! Ao Inferno Festival, agradecemos a oportunidade de conhecer o centro de Oslo e o circuito underground como a palma da nossa mão. Os dias de música boa e lida de festival cansam o corpo, mas não a alma. Para o Inferno gelado a gente sempre vai querer voltar.

E para que entendam esse nosso sentimento, oferecemos o link do video feito pelos colegas do Info Metal Fest. Assista ao vídeo e entenda um pouco da atmosfera do festival em 2015.

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