Eu estava com um peso na consciência e o nome dele era Damon Albarn. Depois dele me presentear com um dos melhores shows da minha vida, no ano passado, no Planeta Terra, em São Paulo, junto com seus parceiros de Blur, perdi o show que o moço fez em Roskilde. Queria convencer a mim mesma que deixei a oportunidade passar por conta das outras tentações do festival dinamarquês, mas a verdade é que não me esforcei para vê-lo porque achei sua estreia em disco solo, “Everyday Robots”, tedioso (apesar de belo e de dar mais uma prova da não limitação musical de seu autor). E a verdade maior é que não me esforcei para gostar do disco porque só o ouvi uma vez, e às vezes é necessário se dedicar a um álbum para aprender a gostar dele.

Pois quis o destino importunar minha consciência e meu dilema albarniano e lá estava Damon cruzando meu caminho novamente, desta vez em Montreux. Fui ao festival suíço com a intenção de ver apenas os shows gratuitos e Damon faria uma apresentação fechada. Logo, ele estava fora dos meus planos. Mas o fato é que eu não tenho vergonha na cara e assim que pisei no 2m2c, o centro de convenções onde parte do festival acontece, fui correndo para a bilheteria comprar ingresso para algum show das grandes atrações e ficar alguns francos suíços mais pobre, assim, no impulso.

Queria comprar ingressos para ver Stevie Wonder (que também cabulei em Roskilde, shame on me), mas as entradas já estavam esgotadas. Como cheguei nos últimos dias de programação, me restavam Damon e a dobradinha Herbie Hancock + Wayne Shorter. Ver o Damon me faria ficar tranquila comigo mesma; por outro lado, ver Herbie e Wayne era quase uma obrigação estando eu em um festival a princípio de jazz. Como a soma dos ingressos para os dois shows dava o que queria pagar para ver Stevie Wonder, e como, repito, não tenho vergonha na cara, comprei entradas para os dois shows.

Melhor decisão da vida em Montreux, pois saí do Auditório Stravinski não apenas com a consciência levíssima, como também satisfeita e feliz porque o show em que Damon apresenta seu “Everyday Robots” é exatamente o oposto daquilo que o disco é. Em estúdio, o clima é de introspecção e contemplação, mas ao vivo a atmosfera é ligeiramente épica graças à inquietação de Damon e de sua boa banda, a The Heavy Seas (em referência a uma das faixas do disco), que preenche no palco os vazios deixados no disco.

O recheio de faixas do Gorillaz e do Blur também ajuda o show a ganhar mais ritmo, mas com muito pouco tempo Damon e banda conseguiram me convencer de que as músicas de seu novo trabalho têm potencial para soar melhores – a acústica do Auditório Stravinski tornou tudo ainda mais bonito e cristalino e as intervenções do senegalês Baaba Maal também . Há momentos particularmente grandiosos, caso da sequência “Photographs” e “You and Me”, quando Damon encarna o piano man e se mostra um grande performer com o instrumento. Sua disposição, a propósito, foi outro ponto positivo do show. Mesmo com a aparência claramente desgastada (era o 23º show em 23 dias, segundo ele), o músico se entregou ao show dançando, se movimentando o tempo todo e provocando a plateia, pedindo mais barulho e jogando água nos fãs. Era evidente que ele queria estar ali – segundo a produção de Montreux, o músico pediu humildemente à organização uma “vaga” na programação do festival.

Com o público ganho, Damon voltou para o bis com uma versão mais minimalista de “End of a Century” (já pode chamar de clássico?), do Blur, em versão voz e piano e um leve solo de flauta ao final. “Clint Eastwood”, eterno hit single do Gorillaz, veio na sequência e foi um dos momentos de mais empolgação do público. Mas Damon estava ali para, acima de tudo, mostrar que a vida não se resume a Blur e Gorillaz e encerrou a apresentação com “Heavy Seas of Love”, que veio acompanhada de um belo coro feito pela própria banda e, mais uma vez, soou mais encorpada que no disco.

Resumo: Damon me mostrou que eu estava errada e Faustão esteve sempre certo. Quem sabe faz ao vivo e pode fazer ainda melhor.

Veja aqui uma seleção de alguns dos vários bons momentos do show feita pelo pessoal de Montreux (o festival é uma maravilha, mas eles ainda são caretinhas e não deixam a gente incorporar os vídeos no site).

Em tempo: a turnê de “Everyday Robots” passa pela Argentina nos dias 6 e 7 de outubro. A Argentina é logo ali, você sabe. E você sabe também que uma passadinha na casa dos hermanos abre a possibilidade de uma passadinha na nossa casa também. Fiquem atentos.

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