Não é de hoje que estamos rasgando uma seda pro Abril Pro Rock aqui no Festivalando. Inclusive batendo na tecla de que ele tem sido um dos festivais de metal mais consistentes em território nacional . Não, não estamos sendo pagas. Sequer rolou uma press trip pro Abril Pro Rock 2019. Mas, nem por isso deixaríamos de ecoar os feitos desta edição. Afinal, o APR é o primeiro festival de metal consolidado no país a compor seu lineup com equidade de gênero. Ou seja, com igualdade de oportunidades (numéricas e reais) para bandas formadas por homens e por mulheres.

Apesar de (infelizmente) não ter estado nesta edição, resolvi escrever sobre o APR 2019 pois, contei com a colaboração e incentivo da Nata de Lima, vocalista da Manger Cadavre? e uma das articuladoras da União das Mulheres do Underground. Ela tocou no festival e também assistiu aos shows do APR 2019. Valeu demais, mulher \m/!

Mais da metade das bandas com mulheres na formação

Os dados estão aí pra mostar: 54% das bandas da edição deste ano eram integradas por mulheres. Ou seja, o “mistério” da falta de mulheres nos lineups de festivais de metal brasileiros já não é mais mistério coisa alguma. Pois, o Abril Pro Rock veio para mostrar que é possível fazer um lineup equilibrado. Mas pra isso acontecer, é preciso ter uma curadoria antenada e sem preconceitos.

Esperança no cenário nacional

Além disso, o festival criou espaços para mostras de artistas mulheres e selos administrados por elas. Ainda, o APR sempre contou com ‘elas’ para formar a equipe organizadora à frente do sucesso do festival.

Assim, oficialmente, o Abril Pro Rock inaugura um período de ótimas expectativas quando o assunto é igualdade de oportunidade pra mulheres em festivais de metal. Tá certo que o Nordeste é sempre maravilhoso e fora da curva. Mas, esperamos que o exemplo seja replicado pelas bandas de cá e pelos vários cantos do país.

Equidade de gênero de verdade no Abril Pro Rock 2019

Em entrevistas anteriores, Nata de Lima (Manger Cadavre?) e Yasmin Amaral (Eskröta) apontaram duas coisas que sempre rolam no contexto dos festivais de metal no Brasil. 1. Convites feitos a bandas com mulheres apenas pra “cumprir cota”; 2. A precarização do trabalho dessas bandas, incluindo cachês infames.

Felizmente, os relatos sobre a participação no Abril Pro Rock 2019 estão bem distantes disso. As duas artistas foram enfáticas: tiveram respeito absoluto da organização e foram extremamente bem recepcionadas. “Em nenhum momento fomos desrespeitadas. Pelo contrário, nossas preferências foram ouvidas pela produção, pelos técnicos de som… Todos estavam abertos a nos ouvir e nos deixar fazer nosso show da melhor maneira possível”, relata Yasmin.

abril pro rock 2019
Eskröta. Abril Pro Rock 2019. Ph: Pei Fon/Rock Meeting640

Não basta fazer número, tem que dar condições de trabalho iguais

A guitarrista toca em um ponto importante, já que, mesmo quando estão presentes em lineups, as mulheres ainda podem ser alvo de retaliações e machismo por parte da equipe técnica de festivais, por exemplo. Vale ressaltar, também, que estas equipes ainda são muito dominadas por homens. Assim, com respeito e as mesmas condições de trabalho garantidas durante o festival, a tal equidade de que tanto falamos ganha brilho de verdade. E então, o número 54% de atrações integradas por musicistas mulheres faz todo sentido para além dele mesmo.

Levando coisas sérias a sério

Fiquei me perguntando a origem deste ‘fenômeno’ de equidade no metal chamado Abril Pro Rock 2019. Daí, bati um papo rápido com o Alcides Burn, curador da edição deste ano pra entender como chegaram a essa fórmula maravilhosa de 54% de bandas com integrantes mulheres. “As bandas com integrantes mulheres vêm surgindo rapidamente, aqui em Recife mesmo tínhamos a Vocifera, por exemplo, uma das grandes representantes”, conta Alcides.

O curador diz ser impossível ignorar o crescimento das bandas de metal compostas por mulheres, muitas delas referência nas cenas locais. Além deste pensamento, que segundo Alcides já vem de muito tempo por parte de idealizadores do festival, o APR deste ando foi norteado pelo conceito de ‘empoderamento feminino’.

Oportunidades iguais pro poder que é delas fluir

Embora eu tenha vários questionamentos acerca do conceito em si ( pois, acredito que já somos todas poderosas!), entendi a intenção inclusiva. No entanto, foi inevitável disparar: “mas é um conceito só pra este ano, ou é algo que vocês pretendem replicar aí ao longo da vida do APR”? O Alcides, então, esclareceu: ” o conceito só veio fortalecer o que já existia, isso não vai se limitar apenas a uma edição” – Felizes estamos, vigilantes sigamos 😉

Também por trás da vontade de colocar em evidência a questão de gênero no festival, Alcides ressalta nosso contexto político. “Estamos num momento muito delicado no país e precisávamos mostrar o quanto isso tá sério e nada melhor que o vc mostrar isso através da música e da arte”, afirma.

Equidade muito além dos palcos

Nata conta que, dentre os festivais de mesmo porte dos quais ela já participou, o APR 2019 “foi de longe o festival que mais fez questão de produções femininas”. Além disso, o evento também contou com  mostra de design, e o cartaz deste ano foi feito por uma ilustradora, a Hallina Beltrão . Sem contar a participação delas na feira independente e na produção do festival. “Tudo estava como deveria ser: com equidade de gênero”, afirma Nata.

Além disso, Alcides conta que as mulheres estão na organização desde os primórdios do Abril Pro Rock. “Tem a Sonally, que cuida do financeiro, Amanda que é produtora, a Raquel que fez o catering esse ano, Milla Silva, minha esposa, que ficou no merch, Hallina Beltrão, a ilustradora do cartaz oficial, além da Pei Fon, nossa fotógrafa”. Alcides ainda lembra as produtoras Renata e Gabriela, que trabalharam nas edições anteriores. Também as assessoras de imprensa, Maria Helena e Catharina, imprescindíveis para a divulgação do evento.

Nos selos

Também havia mulher administrando selo de disco no APR. Uma delas foi a Debie, à frente do Crust or Die, de Salvador. Debie, que também é baixista e atua no underground desde os 17 anos, vê o que rolou no festival com certo otimismo. “Nos últimos anos tenho percebido uma maior movimentação de mulheres seja em bandas, selos, distros e coletivos (que também organizam eventos), e isso tem sido um levante muito importante”, afirma.

Porém, ela ainda ressalta que não é o caso de estarmos vivendo no paraíso do underground para as mulheres. “Muitas vezes temos que provar 4 vezes mais que somos capazes, que estamos nessa porque gostamos, que trabalhamos pelo underground como qualquer outro cara”, ressalta.

Outro ponto questionado por Debie é como, mesmo depois de uma certa emancipação, as mulheres ainda estão sob amarras diversas no meio. “É o tempo todo uma nova barreira que colocam e para no final das contas dizerem: olha, ela é mulher, e vale a pena. E eu fico puta porque sempre tem que ter um fucking aval masculino para a produção feminina ser aceita nesse meio”, protesta.

Perguntei a ela sobre como foram as vendas do selo durante o festival, e da receptividade do público às bandas integradas por mulheres. Debie diz que é preciso melhorar. Pois, não é sempre que aparecem pessoas interessadas, principalmente em bandas novas. Para a empreendedora cultural, “há nisso um comodismo também, e um sintoma do machismo estrutural de nossa sociedade, esse machismo que nem nós mulheres estamos privadas em exercer”, observa

Nos moshs

Priscilla Silva é uma das articuladoras da União das Mulheres do Underground, também vocalista da Fuck Namaste e se diz muito satisfeita com o Abril Pro Rock 2019. “Me senti mais à vontade pelo ambiente estar cada vez mais misto e também ocupado por mais mulheres que estão lá curtindo e produzindo algo”, diz.

Com liberdade de estar entre os moshs pra fazer o que bem entender neles, Priscilla acredita que a participação feminina cresceu “quando as mulheres perceberam que poderíamos ser as protagonistas da própria história”. Pra ela, tanto nos palcos do Abril Pro Rock, quanto fora deles isso fica cada vez mais evidente.

Nos Debates

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Debate Abril Pro Rock 2019. Ph: Pei Fon/Rock Meeting

Esta edição do Abril pro Rock também contou com um debate sobre o Feminismo em tempos de crise, articulado pelo coletivo de mulheres “Mete a Colher”. A conversa contou com a presença da tradutora do livro Um guia Pussy Riot para o Ativismo, Jamille Pinheiro Dias; a arquiteta Mônica Benício, ativista de direitos Humanos e companheira da vereadora carioca Marielle Franco, assassinada em março de 2018; mãe Beth de Oxum e Lenne Ferreira e Renata Albertim, co-fundadoras do coletivo Mete a colher.

Femininos antifascistas

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Manger Cadavre? Abril Pro Rock 2019. Ph: Pei Fon/Rock Meeting

Pra Nata de Lima e Alcides, o Abril Pro Rock sempre teve uma postura política enraizada. Em 2019, houve o endossamento das questões sobre as mulheres, principalmente “por conta da atual conjuntura política em que nos querem submissas”, reflete Nata. Desta forma, ao se discutir as questões referentes à equidade de gênero, o festival e as bandas presentes já assumiram uma postura de repúdio às ameaças fascistas do atual governo.

Nos palcos do festival, a mensagem ficou clara. Seja pelas Letras provocadoras e acertadas como as da banda Eskröta e Manger Cadavre?, seja pelas próprias bandeiras levantadas no palco, como aquela que homenageou Marielle, o recado foi dado: fascistas não são bem vindos no metal. E, de uma maneira muito especial, fez-se surgir femininos antifascistas nesta celebração da música pesada. Para Nata, “essa edição do Abril Pro Rock não foi um festival, e sim um ATO POLÍTICO”.

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