Falamos o tempo todo para elas e eles e todos outros gêneros sociais que se identificam com a gente aqui. Hoje, o post é para elas, ou quem queira se identificar como ‘ela’. Vamos falar de sororidade em festival de música. Não, não estamos entrando na “modinha do feminismo”, até porque feminismo nem é moda, nem é ‘mimimi’, é movimento social.

Um site naturalmente engajado

festivalando
Pri e Gra. Ph: Ismael dos Anjos.

Festivalando é um site feito por duas mulheres, nasceu das mãos de mulheres como uma iniciativa inédita, pioneira em todo o país. Duas mulheres que viajaram/viajam para festivais e fizeram/fazem turismo musical ( inclusive, parece que quem deu alcunha para essa prática como tal fomos nós duas). Juntas ou sozinhas, fazemos tudo isso aí.

Há muito tempo discutimos temas importantes, como os assédios sofridos em festivais pelo mundo, a falta das mulheres nos lineups de vários festivais (nos de metal, então, nem se fala), as bandas que propagam sexismo disfarçado de humor, as campanhas e empreitadas do mundo dos festivais para torná-los lugares cada dia mais habitáveis para mulheres.

Sororidade: o que é, afinal?

Pra quem ainda não conhece essa palavrinha, a tal da sororidade, antes queria pedir um rápido exame de consciência aí: Quem nunca falou mal de uma outra mulher, assim gratuitamente? Ou quem nunca foi estimulada a competir com outras mulheres, de alguma maneira, seja por questões estéticas ou de capacidade? Sabe aquelas frases “olha como sua coleguinha tá bonitinha e você aí, toda feia, não quer colocar o vestidinho x”, quem nunca ouviu? Quem nunca julgou uma colega de escola pela roupa dela ou maquiagem?

Esses são exemplos que parecem bobinhos, mas dizem muito de uma maneira como a sociedade nos educou para enxergarmos a nós mesmas e às demais. Somos incentivadas o tempo todo a competir, não a cooperar. Sororidade é um conceito trazido pelo feminismo para pautar as relações entre nós, mulheres. A partir do momento em que nos colocamos nos lugares das outras, com disposição para entender os problemas, angústias e identidades de cada uma, tendemos a ter uma disponibilidade maior de cooperação. Cooperar e entender mulheres, entre mulheres, isso é sororidade.

Tamo juntas ou não nessa parada? Caso sim, bora para as ações. Não é conselho, não é norma, mas são pontos para reflexão. Cada uma de nós pode parar, ler, identificar se fazemos ou fizemos isso, e procurar entender o porquê de fazermos tais coisas. Para saber como praticar a sororidade, primeiro precisamos entender o que NÃO é sororidade.

O QUE NÃO É SORORIDADE:

1# Julgar a roupa da outra no festival

Essa é uma atitude muito comum e que parece até mesmo inofensiva. Eu mesma já fiz. Julgar não somente quem tá vestida com pouca roupa, mas até quem tá vestida com muita roupa. Isso não é legal. Uma das premissas de sororidade é que devemos cooperar com a promoção da liberdade das mulheres. Podemos nos vestir como bem quisermos.

Não importa se a mulher está no Rock In Rio de biquíni ou de corset e saia longa. O que importa é que ela se sinta bem da forma como se veste, e que se sinta segura para se vestir da forma como se veste. Mulher só de biquíni  e shortinho no festival não está dando direito ao homem de violentá-la, nem está enviando mensagens eróticas aos homens. Quando tá um calor danado, quase todos os homens tiram suas camisas nos festivais. Por que as mulheres não podem fazer o mesmo?

mulheres no Brutal Assault.
Gra e Pri, mulheres festivaleiras no Brutal Assault (República Tcheca)

Outro ponto de discussão importante, pelo menos é bem relevante dentro do metal e dos festivais de metal – as camisas de banda. Tem mulher que não vê sentido algum em usar camisa de banda, por exemplo. Umas por questões estéticas, outras por questões políticas/éticas – usar camisa de banda e ser interrogada por um #machucru sobre essa banda/gosto: quem nunca? Uma mulher sem camisa da banda não quer dizer que ela seja menos fã, ou que conheça menos de música. A camisa, no fim das contas, é só um detalhe. Assim, seria legal parar de atirar pedra em quem preferiu usar um top de spike ao invés da blusa do Iron Maiden ou sei lá que banda.

2#Julgar as mulheres que estão no backstage

Hoje em dia, existem muitas mulheres envolvidas no mundo da música. Não na quantidade ideal para falar que vivemos situações de igualdade, pois ainda enfrentamos condições diferentes para chegar aí. Porém, existem várias profissionais como fotógrafas, tour manangers, empresárias, e até algumas engenheiras de som e roadies. Há também as mulheres da mídia, claro, como eu e a Pri. Portanto, todas as vezes que você vir uma mulher no backstage, independente da roupa, da maquiagem etc, não a julgue nem a chame de groupie.

mulher fotógrafa
Ph: Marko Ristic Serbia via Shutterstock

A representação da groupie, mulher que segue os artistas para obter relações sexuais com os mesmos é muito fortalecida nas comunidades musicais de vários gêneros da música. No metal, parece que foi um dos campos mais profícuos para que essa representação florescesse. No entanto, é importante ficar claro que, mesmo que existam mulheres que se encaixem no estereótipo da groupie, não há porque julgá-las. Não é sororidade julgar o prazer da outra, nem mesmo imaginar que elas não gostem da música, de fato, só porque mantém relações íntimas com músicos. Também não é para achar que todas as mulheres que estão nos shows são heterossexuais, atrás de músicos. Elas podem estar a fim de uma outra mina, na própria plateia.

3# Subjulgar bandas formadas por mulheres ou artistas mulheres, principalmente as não estouradas na mídia

Nós mulheres precisamos ter a consciência de que a mídia especializada em música não é imparcial. Não é, pois é feita por gente, gente que tem escolhas e gostos atravessados por um monte de crenças, inclusive pela crença de que mulher é naturalmente menos competente que o homem para a música, ou para alguns postos na música. Aí, é comum boas artistas serem ignoradas pela mídia. Isso acontece, com muita frequência, com artistas femininas que não se encaixam em padrões de vendagem. Assim, nem sempre as mulheres estão entre os headliners, ou as artistas principais de vários festivais ( mais uma vez, tenho falado muito pensando em festivais de metal, que são pouco abertos, menos que vários outros, mas não quer dizer que não aconteça em outros tipos de festival também).

myrkur
Amalie Bruun (Myrkur), multiinstrumentista dinamarquesa. Ph: Divulgação

O que tudo isso gera é uma descrença coletiva no talento de mulheres, ou invisibilização dos trabalhos. Daí, toda vez que tem uma banda só de mulher no lineup, ou com mulheres integrantes, de duas uma: ou as pessoas vêem como algo curioso, tipo ‘freak show‘ uma banda só de mulheres, ou elas ficam menos dispostas a assistir. assim, uma atitude de sororidade é dar uma chance para a banda de mulheres, ir, assistir, entender. Não é pra curtir só porque é de mulher. Mas se você curtiu, não se iniba em dizer que curtiu só porque os ~amiguinhos homens especialistas no assunto~ disseram que a banda não é boa. Vá aos shows das mulheres, priorize as poucas que conseguem furar a barreira enorme da construção de lineups comerciais.

4# Ignorar tentativas de aproximação de mulheres em festivais

Algumas mulheres se sentem inseguras em andar sozinhas em festivais. Por isso, às vezes puxam papo com outras desconhecidas, também, a fim de ter uma companhia. E sim, os festivais podem ser lugares muito hostis para mulheres, ainda mais com um monte de homens que pensam que só pelo fato de a mulher estar no festival quer dizer que ela está na pista pra eles. Por isso, é legal dar papo, conversar, oferecer a companhia e quem sabe dividir o lanche ou uma cerva com a nova amiga.

5# Não ajudar quando ver alguma situação abusiva – física ou verbal

As mulheres podem passar por várias situações abusivas dentro dos festivais. E há coisas que nem sempre percebemos como abuso, pois também somos pouco treinadas a entender isso. Porém, logo que identificamos algo violento, um abuso físico ou verbal contra alguma mulher, precisamos intervir. Alguns festivais possuem uma base de apoio, onde podemos denunciar qualquer abuso. Às vezes, tem um cara batendo na mina no camping, sem o consentimento dela. Às vezes tem um cara gritando com uma mina, apontando dedo na cara dela. Precisamos ir até lá, perguntar se a mulher está bem. Observar um pouco mais e buscar apoio da organização quando a situação ultrapassa limites.

Oferecer ajuda, emprestar um telefone, ajudar encontrar outro lugar para ficar, tudo isso é importante. Algumas mulheres vão para festivais com seus companheiros ou sozinhas. Portanto, caso estejam na compania de um companheiro abusivo, elas vão precisar do nosso apoio.

Outro exemplo é também quando estamos em um show, no meio da multidão, e ao fazer crowdsurfing a mina pode ser desrespeitada, apalpada com outras intenções. Não deixem isso acontecer quando virem intenções maldosas. Também quando um cara resolver passar a mão ou ficar relando seu órgão sexual nas meninas. Caso a garota queira, aí é outra história. Mas se ela não quiser, temos que denunciar, chamar seguranças do show etc.

O que fazer para promover a sororidade em festival?

Ler e refletir sobre essas cinco atitudes que coloquei acima já é um ótimo começo. Caso isso faça algum sentido para você, verá que aí suas atitudes vão mudar naturalmente. Ninguém precisa passar receita de bolo sobre como praticar a sororidade.

A gente acredita que, só de você começar a refletir sobre o que não é legal e não contribui para a sororidade, podemos construir juntas um caminho muito mais legal e sermos felizes #festivalando por aí!

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