Quem é (são) o(s) culpado(s) pela existência do Festivalando, pela sua peregrinação bianual ao Rock in Rio e pelo seu sonho de ir no Wacken? Quem foi que começou essa história de juntar um monte de gente para acompanhar uma sequência de apresentações musicais por dias e horas, e ainda conseguiu fazer disso uma atividade atraente pra uns, rentável pra outros e um hábito difundido nos cinco continentes? Hoje, no Globo Repórter, no Festivalando, você vai conhecer a história dos festivais de música.

São muitos os responsáveis por essa história e eles começaram o trabalho bem antes do primeiro hippie atolar o pé na lama de Woodstock.

Filosofia, geometria, olimpíadas e festivais: a culpa é dos gregos!

Bem antes não. Beeeeeeeeem antes. Junto com a filosofia, a geometria e as Olimpíadas, a Grécia Antiga também deixou como legado para as civilizações posteriores um embrião dos festivais de música. Seis séculos antes do início da era cristã, os gregos começaram a realizar a cada quatro anos os Jogos Píticos, em honra a Apolo. As festividades consistiam em grandes apresentações esportivas, teatrais e musicais (cítara e flauta) de caráter competitivo. Aconteciam em ciclos de quatro anos, em sucessão à realização anual de outros três eventos: os Jogos Olímpicos, Nemeus e Ístmicos. Juntos, esses quatro ~festivais~ da era antiga formavam os chamados jogos helênicos.

Há registros também de apresentações musicais em festivais no Egito Antigo, cerca de quatro mil anos antes da era Cristã, mas a música em nenhum momento ocupava o centro das atividades desses festivais, cuja finalidade maior era celebrar divindades.

Dom Pedro II vai festivalar na Europa

Na Idade Média os festivais de música ganharam vida própria, sem estarem atrelados às competições esportivas como no tempo dos gregos, mas eles ainda manteriam o aspecto competitivo. Foi só após a Revolução Francesa, quando compositores passaram a gozar de prestígio artístico de forma cada vez mais consolidada que o mundo viu surgir o primeiro festival em que a música era apresentada com a finalidade de entretenimento, para ser apreciada.

A ideia veio de um alemão: Richard Wagner, aquele da ópera “A Valquíria” (certamente você conhece a abertura do terceiro ato da ópera graças à trilha sonora de “Apocalypse Now”). Em 1876 ele criou o Bayreuth Festival, realizado na cidade alemã homônima, com a única finalidade de apresentar suas composições.

Até Dom Pedro II baixou daqui do Brasil para a Alemanha só para curtir um concerto de Wagner na primeira edição do festival. Veja só você: no século XIX já tinha gente viajando para ver festival! A propósito, será que Pedrinho toparia escrever um relato para a seção Leitor@ Festivaleir@? Quem conhecer um médium favor indicá-lo para o Festivalando, assim o contato com nosso imperador fica facilitado.

Wagner enfrentou problemas financeiros para levar o festival adiante, mas no fim venceu. O Bayreuth Festival é realizado até hoje e, mais que isso, é concorridíssimo. Se você acha que o Glastonbury, na Inglaterra, é um festival de alta demanda porque tem 135 mil ingressos esgotados em 20 minutos, saiba que em Bayreuth, anualmente, há uma demanda de meio milhão (sim, 500 mil!) de ingressos para apenas 58 mil entradas disponíveis. Normalmente, entra-se em uma fila de espera de dez anos para se conseguir um humilde ingresso.

história dos festivais de música
Cartaz com regentes e músicos do Bayreuth Festival de 1894

Jazz: artistas lendários, eventos pioneiros

Chega o século XX e a música popular começa a se tornar um fenômeno de massa (graças ao desenvolvimento das tecnologias de gravação e reprodução de áudio, de uma indústria de música e dos meios de comunicação de massa, a princípio o rádio). É aí que os festivais começam a ganhar o formato mais próximo do que conhecemos hoje: uma programação esquemática com diferentes artistas apresentando sua arte para milhares de pessoas reunidas.

Antes que o rebolado de Elvis colocasse o rock no centro da produção musical das décadas que se seguiriam, o jazz tomou para si o pioneirismo dos festivais da era da música popular e da indústria fonográfica. Em 1954, nasceu o Newport Jazz Festival, em Newport, Rhode Island, nos Estados Unidos. Já em suas primeiras edições trazia um lineup dos sonhos: Billie Holiday, Ella Fitzgerald, Miles Davis, Duke Ellington, John Coltrane.

A Europa, que desde os gregos antigos e Wagner, no século XIX, vinha sendo a sede da história dos festivais, dá sua resposta em 1967. Naquele ano, Claude Nobs criou em Montreux, na Suíça, o Montreux Jazz Festival, esse festival que eu visitei uma vez só e já considero pacas.

Rock e lama, enfim

Nos anos 1960 o rock já era um caminho sem volta. Os Beatles levaram sete anos para pôr em curso toda uma revolução, seus compatriotas Stones, Who, Kinks cruzavam o Atlântico para um rolê na América no que ficou conhecido como invasão britânica, ao mesmo tempo em que as bandas dos Estados Unidos respondiam com rock à altura. Uma enxurrada de rock atingia o hemisfério norte e era preciso represar essa música. Bora colocar esse povo tudo junto para tocar no mesmo lugar, uai.

Foi aí que os festivais de rock também se tornaram um caminho sem volta. Booooom! Em dois anos, só nos Estados Unidos, uma meia dúzia de festivais gigantescos atraíram mais de um milhão de pessoas. O Festival de Monterey, na Califórnia, deu o pontapé inicial em 1967. Janis Joplin, Otis Redding, The Who e Jimi Hendrix se apresentaram para um público total estimado em 90 mil pessoas.

Em 1968, a coisa fica ainda maior. A Flórida sediou dois eventos distintos, em maio e dezembro, mas ambos com o mesmo nome: Miami Pop Festival. Juntos, tiveram uma audiência de cerca de 125 mil pessoas e shows de Chuck Berry, Marvin Gaye e Jimi Hendrix Experience. A Califórnia, palco do verão do amor, recebeu o Newport Pop Festival, com 100 mil pessoas.

Nascem um gigante e um ícone da história dos festivais de música

Enfim, em 1969, Woodstock é realizado em agosto no estado de Nova York e se torna o ponto mais célebre de toda essa história ao longo de três dias, mais de 30 shows e meio milhão de pessoas. Meses depois, em dezembro, aconteceria o Altamont Free Festival, que reuniu 300 mil pessoas, mas entrou para a história como o festival em que os Hells Angels, contratados pelos Rolling Stones para fazer a segurança do evento, mataram um fã a facadas.

Na Inglaterra, o festival de Isle of Wight, que já construía sua história desde 1968, atinge seu pico em 1970, quando reúne 600 mil pessoas. No mesmo ano, nasce o Glastonbury. Somente 1.500 pessoas foram à primeira edição do festival inglês, mas começava ali a história de um evento que atravessaria décadas e se agigantaria, assim como o próprio Isle of Wight; hoje, ambos são dois dos maiores festivais da Inglaterra.

Resistência, retomada, apogeu e Festivalando! –  a história dos festivais de música segue

Poucos festivais dessa época sobreviveriam para contar história. Os festivais de Glastonbury, Isle of Wight e o festival de Reading e Leeds, também da Inglaterra, e que nasceu em 1961 como festival de jazz e tomaria o rumo do rock a partir de 1967, chegariam vivos e ainda gigantes ao século XXI. Em 1971 o Roskilde Festival, na Dinamarca, nasceria para se juntar a essa turma.

Seria necessário esperar pelos anos 1990 e 2000 para que a história dos festivais de música voltasse a ganhar fôlego. Fôlego sem precedentes, a propósito. O Coachella nasceu em 1999 para reinaugurar a era dos festivais gigantes. Hoje reúne 100 mil pessoas e precisa se desdobrar em dois fins de semana idênticos para dar conta da demanda.

Antes disso, em 1997, o Lollapalooza nasceu para se tornar nos anos seguintes uma franquia global, com edições na América do Sul e agora também na Europa. Falando em Europa, só a Inglaterra tem anualmente cerca de 450 festivais de música. A Alemanha ultrapassa os 100. Tente somar os muitos outros festivais do continente e você vai chegar aos quatro dígitos. Se expandir a fronteira para o resto do mundo, vai perder a conta de quantos festivais de música existem hoje no mundo.

Período d.F. (depois do Festivalando)

Até que chegamos ao Festivalando, pois eu e a Gra, que não somos nada bobas, aprendemos com nosso muso e patrono Hobs (o historiador Eric Hobsbawm para os acadêmicos sérios) que o século XXI é a era do apogeu dos festivais de música, eventos capazes de promover experiências culturais e viagens de descobertas condizentes com a cultura do mundo globalizado*. Queremos escrever e fazer parte dessa história e você pode acompanhar os próximos capítulos aqui com a gente.

*HOBSBAWM, Eric. “Por que realizar festivais no século XXI?”. In: Tempos Fraturados – Cultura e Sociedade no século XX. Companhia das Letras, 2013. p.54-63

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