Para o bem ou para o mal, você já deve ter se descabelado ao ver o lineup de um festival. Já deve ter vibrado muito por ver tanta gente boa reunida numa mesma programação, mas também já deve ter xingado muito o ser humano que achou que fazia sentido juntar aquele monte de banda nada a ver num mesmo festival.

O fato é que entre o desejo do fã e o lineup final há muito mais coisas que o mimimi nosso de cada dia é capaz de aceitar. Quem conta um pouco disso é um expert na montagem de lineup de festivais, Marcos Boffa. Desde os anos 1990, ele atua como programador. No currículo, os festivais BHRiff, Eletronika, Planeta Terra (2007 a 2012), Festival Cultura Inglesa (2014) e Sónar São Paulo (2004, 2012 e 2015).

Durante o Eletronika, aqui em BH, eu bati um papo rápido com ele sobre o assunto e sobre a próxima edição do Sónar em São Paulo (a programação também tem o dedo dele). Também demos uma geral, dentro do possível, no cenário dos festivais hoje no Brasil e no mundo.

como se monta o lineup de um festival
O programador Marcos Boffa com o filho no Lollapalooza Foto: I Hate Flash/Divulgação

O lineup de um festival é sempre muito esperado e, quando divulgado, rende muita discussão por parte dos fãs. O pessoal reclama, nem sempre todo mundo fica satisfeito. Falando do ponto de vista de quem faz, como se monta o lineup de um festival?
Depende da proposta do festival, o que ele pretende, como ele pretende mostrar uma cena musical num determinado período e o orçamento que ele tem disponível. Basicamente é isso. E a partir disso faz-se o trabalho pra ver quem está disponível para então fazer a oferta.

O quanto se diferencia o lineup idealizado pela produção de um festival daquele que de fato se consegue fechar?
No geral, mais da metade pra cima poque você já sai com uma definição daquilo que você quer, olha os artistas que estão tocando. Não sai fazendo apostas aleatórias. Dentro daquela proposta daquela edição, às vezes você acerta 80%. É difícil chegar a 100%, mas também você trabalha com opções – se não consegue este, tenta aquele.

Você trabalhou na programação do Sónar São Paulo que acontece em novembro. O que foi pensado para formatar o line up desta edição de retorno do Sónar ao Brasil?
Basicamente foi uma redefinição. Nas últimas edições tinham mais palcos, mais de uma noite e em função dos recursos disponíveis no momento optou-se por fazer uma versão mais reduzida de um palco. Além disso, nesse ano estamos trabalhando em conjunto com Argentina, Chile e Colômbia.

Então a redução do lineup é uma questão orçamentária mesmo?
Sim, e também uma forma de retomar numa base mais pé no chão e a partir disso redefinir o desenvolvimento do próprio festival no Brasil.

Existe a vontade de aumentar o festival e fazer um formato mais próximo do que é hoje em Barcelona?
Depende da maneira que os caminhos forem acontecendo. Não dá pra dizer nada agora. Depois da edição eles vão pensar. Eu agurado mais definições.

A gente está num momento no Brasil em que há muitos festivais de marcas gringas vindo pra cá. Tivemos o Tomorrowland, em breve o Electric Daisy Carnival. O Lollapalooza já está aí há algum tempo.Como vê esse momento de marcas estrangeiras se estabelecendo por aqui?
Teve uma mudança de referência de uns anos pra cá. Antes tinha mais festivais de marca – Skol Beats, Planeta Terra, Tim Festival. Isso agora é um fenômeno mais de globalização mesmo, desses festivas se expandirem pra novos mercados e de usarem muto a força que eles tem de booking, de contratação e a expertise que eles têm para organizar festivais.

Essa força deles pode interferir no surgimento de festivais novos aqui?
Talvez, mas da mesma forma que os festivais de marca desapareceram, eu não sei qual vai ser o futuro dessas marcas de festivais. Acho que o mais importante é que existe ainda uma cena que acho importante, que são os festivais independentes como o Bananada, o Coquetel Molotov, Festival do Sol, Se Rasgum, que são festivais importantes.

Alguns desses festivais independentes estão atingido uma longevidade, mas quando se chega num nível mais mainstream, de festivais grandes, o único festival de marca que se tem no Brasil com muita longevidade é o Rock in Rio, que completou trinta aos e mesmo assim tem uma trajetória vai e volta.
Mas isso é normal. Está muito relacionado também à economia, ao momento. A valorização do dólar afeta bastante não só os festivais como a vinda de artistas internacionais para o Brasil.

Por isso talvez os independentes não sofram tanto?
Sim, porque eles trabalham mais com artistas nacionais, e no fundo também a gente tem uma cena de demanda por artistas nacionais que vai muito bem, obrigado.

Quais festivais no mundo hoje você acha que valem uma visita?
Tem festivais óbvios: o Coachella, o Bonarroo, o Glastonbury, os grandes festivais. Eu gosto muito de festivais menores, de conveções, como o South by Southwest (Estados Unidos), o Great Escape (Inglaterra). E gosto de festivais mais nichados, tipo o Club Transmediale, Unsoud, gosto do Sónar,. Mas hoje eu, pessoalmente, tenho um pouco de preguiça de mega festivais.

Por quê?
Eu acho que a experiência é muito mais a experiência de quem está ali e a relação do espaço com as pessoas do que exatamente a experiência com a música, e eu acho que a experiência com a música você tem em espaços menores.

Você prefere então se limitar à música?
É uma opção da minha trajetória valorizar mais a experiência da música que a experiência coletiva, do encontro. É uma coisa também de idade, de tudo que eu já passei.

Experiência é uma palavra que a organização dos festivais usa muito hoje para vender os festivais. Pra você, o que é a experiência de um festival?
É uma experiência de comunidade, de você se sentir pertencente a uma comunidade que tem um projeto estético e musical que te interessa. Agora em São Paulo (em outubro de 2015) teve o festival Fora da Casinha numa casa minúscula e foi um festival de bandas de São Paulo basicamente e algumas outras de fora. Foi muito bacana nesse sentido.

Quais festivais te marcaram?
Algumas edições dos festivais onde eu trabalhei – do Eletronika, do Planeta Terra, do Sónar. E também do Club Transmediale (Alemanha), o Mutek (Canadá). No ano passado eu fui no Unsound, na Polônia, e achei muito interessante a programação, por apresentar coisas que me surpreenderam e eu tenho uma ligação muito grande com o ao vivo. Gosto muito de ver uma performance de artista, seja audiovisual, física. Eu gosto muito do ao vivo.

A gente vive hoje num mundo inundado de festivais. Onde isso vai parar?
Acho muito difícil. Mas acho realmente que a gente tem uma onda absurda, um volume de festivais muito grande. Isso afetou inclusive o circuito de turnês das bandas internacionais no Hemisfério Norte. Conversando com agentes, eles falam que é diferente hoje. Antes o artista fazia um disco e mais turnês. Hoje em dia, fazem uma turnê só tem que ter sempre show em festival, as datas de festival e as datas de turnês são misturadas. Afetou bastante.

[jetpack_subscription_form title=”Gostou deste post? Temos muito mais pra você!” subscribe_text=”Receba sempre nossas dicas, histórias e novidades sobre viagens para os melhores festivais de música do mundo.” subscribe_button=”Quero!”]

Leave a comment